29 de janeiro de 2010

Os alfaiates de Salto

Alfaiate. Ofício que, nos dias de hoje, está desaparecendo. É ele o profissional que cria roupas masculinas, tais como terno, costume, calça, colete, smoking – dentre outros – de forma artesanal e sob medida, de acordo com as preferências de cada cliente, sem utilizar nenhuma numeração padronizada. Nas últimas décadas, o produto desse profissional perdeu espaço no mercado para as roupas industrializadas, mais baratas e, no mais das vezes, de qualidade inferior.

Em Salto, a dinâmica não foi diferente. A cidade, que na década de 1930, por exemplo, tinha pouco mais de 10% da população atual, contava com mais de 20 alfaiatarias, nas quais trabalhavam, normalmente, dois ou mais profissionais. Algumas regiões da cidade notabilizaram-se pela grande quantidade de alfaiatarias que possuíam – caso da Rua José Galvão, onde se localizava a Alfaiataria do Bepi. Outros profissionais trabalhavam nessa mesma rua, como Alfredo Buratti, Pedro Montagnan e Pierim Salvadori. Lá também se situava a Alfaiataria de Santo Lelli, que tempos depois foi transferida para a Rua José Weissohn. Já na atual Rua Monsenhor Couto, tínhamos a alfaiataria dos irmãos Américo e Hermógenes Malvezzi, pela qual passaram muitos aprendizes do ofício de alfaiate, que mais tarde constituiriam seu próprio estabelecimento. São os casos de Valter Mazzeto, Osvaldo Salvadori e Álvaro Scalet. Como oficiais, atuaram ao lado dos irmãos Malvezzi: Mário Éffori, Carlos Lammoglia, Eduardo Castellari, Augusto Salvadori, Carmino e José Hyppólitto.

Já na Rua Dr. Barros Júnior, a Alfaiataria de Bibi Nastari gabava-se de ter os mais distintos fregueses. Lá trabalharam Luiz Paes Leme, o Emanoelli, o Lammoglia, o Júlio de Aguiar Frias, o Augusto Salvadori, dentre outros. Nas proximidades dessa, existiu, ainda, outra alfaiataria, a de José Zanoni. Na mesma rua, tínhamos a Alfaiataria do Pedro Garavello, que chegou a ter trabalhando simultaneamente cinco alfaiates. Com ele, trabalharam Isidoro Acciarezzi, Olavo Roveri, Carlos Lammoglia, Orlando Orlandini, Mário Éffori, Sérgio Stoppa, Valentim Moschini, Paulo Ghizzo, Alcindo Castilho e muitos outros.

Alfaiataria do Acácio, Alfaiataria do Genésio... nomes que se perderam no tempo. Não se pode deixar de mencionar, ainda, as alfaiatarias localizadas na Rua Rui Barbosa: caso das de Vitório Lui, de Carlos Gavirolli, de Miguel Pestinioni, de Eletro Carra, de Júlio de Aguiar Frias e, mais recentemente, a de Joaquim Manoél Frias (1934-2010), na casa de número 1462, já na Vila Teixeira. Ainda na década de 1930, Zalfieri Zanni começou a trabalhar na sala da frente da casa de seu pai, na Avenida Dom Pedro II. Conhecido popularmente por “Fuga”, deu emprego e ensinou o ofício a muita gente: casos de Eduardo Castellari, Osvaldo Salvadori, Onofre de Ângelo, Olívio Zacharias e Carlos Lammoglia.

Outras alfaiatarias, como as de José Maria Marques de Oliveira, o Zequinha Marques, a do Brás Felizola, a do Luiz Zanoni e a do Brás Ferraro – denominada Alfaiataria Trento e Trieste – marcaram época. Hoje, ainda temos gente militando no ofício, casos do Crucello, na Rua Dr. Barros Júnior, de Assis Frias, na Rua Sete de Setembro, e de Amadeu Canovas, na Vila Teixeira. Restam-nos hoje poucos ex-alfaiates vivos e atuantes, que mantém um espaço reservado em suas casas onde guardam máquinas, agulhas, moldes, móveis pertencentes à alfaiataria ou guardam com zelo antigos utensílios de trabalho como a tesoura de sua preferência, o dedal. Boa parte dos nomes que citei foram relacionados em um levantamento de Ettore Liberallesso da década de 1990.

No desfile do aniversário de Salto de 2008, o Colégio Prudente de Moraes homenageou os alfaiates da história de Salto. Alguns remanescentes desfilaram em carro alegórico. Naquela manhã tivemos a oportunidade de reverenciarmos o nobre trabalho de todas as gerações de alfaiates que atuaram por longos anos em nossa cidade.



Alfaiates de Salto em reunião da década de 1980.




Alfaiates homenageados em 2008, em carro alegórico do Colégio Prudente de Moraes.

21 de janeiro de 2010

Antonio Vieira Tavares

O capitão Antonio Vieira Tavares, fundador de Salto, era o sexto filho do casal Diogo da Costa Tavares e Maria Bicudo. Nascido em Cotia/SP, era sobrinho do famoso bandeirante Antonio Raposo Tavares. Por volta de 1690 residia no então sítio Cachoeira, obtido por cartas-escrituras de sesmarias, cujas terras correspondiam ao que hoje é uma parte da cidade de Salto. As descrições presentes nos documentos de mais de trezentos anos situam a propriedade de Tavares nas terras da margem direita do rio Tietê compreendidas entre seus afluentes Jundiaí e Buru, avançando meia légua a montante a partir da foz de cada um desses rios.

Em 1695 Tavares dirigiu um ofício ao padre Manoel da Costa Cordeiro - que como visitador geral, representando o Bispo do Rio de Janeiro, se encontrava em Itu - no qual pediu licença para construir uma capela em louvor a Nossa Senhora do Monte Serrat. Em 21 de outubro do mencionado ano, Tavares recebeu a resposta afirmativa das autoridades eclesiásticas, dando início à construção do templo, cuja bênção foi dada pelo padre Felipe de Campos, de Itu, em 16 de junho de 1698 - data esta considerada como a de fundação de Salto.


Detalhe do Monumento à Fundação, tendo Tavares ao centro, na praça que leva o seu nome.
Trabalho de Murilo Sá Toledo, 2007.


Quanto chegou ao sítio Cachoeira, Tavares era casado com Maria Leite, sua primeira esposa, filha de Paschoal Leite Furtado e Mécia da Cunha. Com ela, falecida em 3 de maio de 1704, não teve filhos. Cerca de um ano depois do falecimento da primeira esposa, o fundador de Salto casou-se com Josefa de Almeida, filha de Manoel Antunes de Carvalho e Ana de Almeida, do Rio de Janeiro. Desse casamento, nasceram: Antonio, que ficaria conhecido por frei Antonio do Monte Carmelo; Braz de Carvalho Paes; Manoel, que se tornou irmão leigo da Ordem do Carmo; Francisco, que foi mestre em Filosofia; e Maria, que se casou com um sargento de milícias de Itu.

Antonio Vieira Tavares faleceu em 4 de dezembro de 1712, sendo sepultado na capela mor da Igreja dos Franciscanos, em Itu. Em seu testamento, nomeou seu filho Braz Carvalho Paes como administrador da capela que ele havia construído em suas terras, assim como declarou deixar todos os seus bens, inclusive o próprio sítio Cachoeira, à referida capela. Seus restos mortais foram transferidos para Salto em 21 de junho de 1981 e desde então se encontram no interior da capela existente no Monumento à Padroeira, inaugurado no ano anterior.

A praça localizada em frente da atual Igreja Matriz de Nossa Senhora do Monte Serrat, construída no mesmo terreno da capela original, leva o nome do fundador de Salto desde 1934. O trabalho de resgate da memória de Antonio Vieira Tavares coube ao historiador saltense Luiz Castellari, que empreendeu competente pesquisa à época. Antes disso, pouco se sabia sobre o proprietário pioneiro das terras à direita do salto no rio Tietê.

Sobre o pai do fundador de Salto, um português, sabe-se que foi casado duas vezes, sendo a segunda com Catarina de Lemos, e que morou muito tempo em Cotia, onde faleceu em 1659. Participou, junto com o lendário irmão Antonio Raposo Tavares, de expedições visando expulsar os holandeses de Pernambuco e da Bahia, entre 1639 e 1642. É de se imaginar, portanto, que tenha se dedicado ao aprisionamento de índios para o trabalho escravo nos engenhos, como o irmão. Já Fernão Vieira Tavares, avô paterno do fundador de Salto, era português e chegou ao Brasil em 1618, tornando-se capitão-mor da capitania de São Vicente em 1622.

17 de janeiro de 2010

A presença indígena em Salto

A área onde hoje se localiza a cidade de Salto abrigava, ao início da colonização brasileira, aldeamentos dos índios guaianás (ou guaianazes), do grupo Tupi-Guarani. Consta que a aldeia aqui localizada chamava-se Paraná-Ytu. Foram esses índios que deram à cachoeira o nome de Ytu Guaçu, que significa Salto Grande em língua nativa. Assim, fica claro que esta cachoeira acabou dando nome a duas cidades: a Salto (em português) e à vizinha Itu (em tupi-guarani).

Há registros que mencionam o ataque que, em 1532, os indígenas empreenderam contra Martim Afonso de Souza – primeiro donatário da Capitania de São Vicente. Dentre os líderes guerreiros, menciona-se o Cacique de Ytu. Sendo essa ocorrência de época em que Vila de Itu ainda não existia, acredita-se que seja uma referência ao chefe dos índios que viviam pelas terras da atual Salto. O Museu da Cidade, inclusive, exibe urnas funerárias, pontas de flecha e outros fragmentos de cerâmica recolhidos nos arredores, que testemunham essa presença. Esses indígenas, assim como outros das margens do Tietê, foram repelidos ou aprisionados nas investidas das primeiras bandeiras paulistas, que os levaram para abastecer de mão-de-obra as roças nas vilas do planalto.

Igaçaba (urna funerária indígena) encontrada no Jardim São Judas Tadeu em 1992.


Igaçaba encontrada em 1980 no Jardim Elizabeth.

Entre os séculos XVI e XVIII, em São Paulo, o número de índios e mamelucos (mestiços de branco e índio) era muito maior que o de europeus. Inclusive, até meados do século XVIII, predominava entre a população paulista uma língua de base tupi-guarani, sendo essa língua mais falada que o próprio português. Era o nheengatu ou língua-geral, cujo ensino acabou sendo proibido pelo governo de Portugal. Ficou, porém, uma enorme herança indígena, nos hábitos de alimentação e higiene, artesanato e técnicas manuais diversas, conhecimento de plantas, crenças e nomenclatura, entre outros itens, cuja influência pode ser percebida na cultura brasileira até os dias atuais.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966