28 de janeiro de 2016

Escravos em fuga, 1887

Transcrevo a seguir dois fragmentos do jornal Imprensa Ytuana que narram um episódio de fuga de escravos. O grupo, de passagem pelo território que hoje é Salto (à época ainda pertencente a Itu), enfrentou a força policial da cidade. Episódio muito interessante e pouco lembrado:

Fuga de escravos
LUCTA - FERIMENTOS
Às 9 horas e tanto da noite de domingo, foi a nossa cidade despertada de sua habitual monotonia, por boatos e noticias incovenientes, pelo terror que incutiam; dizia-se que a força local fora trucidada no caminho do Salto, lugar Cangica, por grande quantidade de negros completamente armados e que se dispunham vir de encontro a nossa população. Boatos é certo, comtudo não deixaram de levar certa preoccupação e sobresalto, despertando a população de modo a indagar e se informar do que acabava de se passar. Momentos depois chegava á cidade uma das praças completamente banhada em sangue a procura do delegado e lhe relatou o resultado da deligencia por elle determinada, que fora motivada por telegramma do inspector da povoação do Salto prevenindo que para esta cidade se dirigia grande quantidade de negros completamente armados e que podião pertubar a ordem publica. Chegados que forão ao lugar Cangica, presentirão grande vozeria e tropel, e como os negros apenas os avistassem dispararão as armas e aggredirão fortemente os soldados, que vencidos pelo numero, forão rechassados, e derão lugar a elles passar. Pela cidade passarão rapidamente, pela rua das Flores, em direcção a S.Paulo, sendo alguns á cavallo, mulheres crianças com cargueiros etc, em marcha apressada. O delegado não tendo mais força para ir ao auxilio das praças que lhe pareciam ter sido victimadas, reuniu grande numero de paizanos e pedio que fossem pela estrada a procura dos soldados. Emquanto esperavam pelo resultado d'essa diligencia, foi dado o signal de rebate pela insistência de boatos mais ou menos pouco tranquilisadores, que continuavão a se espalhar. Reunido regular numero de cidadãos, inclusive pessoas gradas mais ou menos preparados, atravessarão a noite de prevenção. Às 4 horas da madrugada apparecerão os cidadãos que tinhão seguido á procura das praças. Vierão com 4, achandose três seriamente offendidas, que confirmarão as noticias de seo camarada. Pelos conductores forão encontrados os três estendidos no chão, tendo o 40 ido para o Salto ver se podia telegraphar para o delegado. Como faltassem mais três, o delegado de policia em pessoa e com alguns cidadãos dirigio-se para o lugar do conflicto, na supposição de achar os mesmos mortos. Alli chegando ao amanhecer nada encontrarão; apenas bonets, refles, poças de sangue e signaes evidentes de encarniçada lucta. Quanto as praças que faltavão tinhão fugido pelas terras da fazenda Juri-mirim, apparecendo hontem de manhã cedo, pouco contundidas. Consta-nos que as aulhoridades judiciarias e o delegado de policia levaram o facto ao conhecimento do presidente da província. S. Ex.o sr. Presidente da Província e chefe de policia constanos, que telegrapharão pedindo informações dos acontecimentos. Hontem á tarde procedeu-se a corpo de delicto nas praças offendidas. Suppõe-se que os negros são procedentes de fazendas dos municípios de Monte-Mór e Capivary. O espirito da população continúa sobresaltado, predisposto a uma reacção imminente.
Imprensa Ytuana, 18 de outubro de 1887.


Fuga de escravos
MAIS PORMENORES
Às noticias que demos hontem pouco temos que acerescentar. Boatos e versões continuam, porem que nada offerecem de positivo e que sò servem para levar o alarma e o sobresalto a população. Consta-nos que os escravos que por aqui passarão na noite de 16, são pertencentes aos fazendeiros os srs. Antônio Dias e Bento Dias, que ficarão corra as suas propriedades inteiramente abandonadas. Consta-nos mais que por ordem do dr. Chefe de policia sahio de S. Paulo em direcção a estrada velha que vem á esta cidade, uma força de cavallaria. Os corpos dedelicto foram feitos sendo considerados leves os ferimentos. O policiamento que na véspera fora feito por paizanos para garantia da cidade, foi substituído pela torça vinda no expresso. Graças ao zelo e actividade do sr. Visconde de Parnahyba que tem tomado providencias, a população está um pouco tranquillisada, se bem que receie de um momento para outro a repetição das ocurrencias de 16. Hontem, segundo somos informados, indo alguns mocinhos procurar animaes ao pasto, junto à matta que margeia ao rio Pirapetinguy, quatro negros sahindo de uma capoeira, a elles dirigiram-se querendo arrebatar-lhes os cavallos em que montavam ; e como os mocinhos se oppuzessem aos seus intentos, declararam que ante-hontem chegaram dez Companheiros que aguardavam a chegada de mais quarenta, afim de acabar com os caboclos soldados da cidade. Entre esses quatro foi reconhecido um escravo do sr. Oliveira, estabelecido no Bairro Alto, actualmente ausente. Si bem que não nos responsabilisemos pela veracidade deste facto, em todo caso será prudente que as autoridades procurem saber o que ha de positivo sobre boatos desta ordem e que providencias não se façam esperar afim de tranquillisar a nossa população.
Imprensa Ytuana, 19 de outubro de 1887.

No círculo vermelho, a provável região do enfrentamento (bairro Canjica, às margens da Estrada do Jurumirim)

27 de janeiro de 2016

Movimento grevista e a colônia espanhola

A história tradicional contada em Salto normalmente exalta as indústrias pioneiras, descrevendo um mundo perfeito no qual haveria plena harmonia, esquecendo-se dos enfrentamentos que existiam entre patrões e empregados. Naturalizou-se um discurso da "mãe Brasital", mesmo sendo evidente que esta não acolhia e agradava a todos os seus "filhos", especialmente os que não eram de origem italiana.

O historiador Ettore Liberalesso, em entrevista concedida em 2010 para o documentário "O homem e a cidade", declarou: "A Brasital fazia discriminação... Ela deu para Salto muito, muito, muito. Mas havia sempre alguma discriminação." Vale citar que a Brasital S/A chegou a Salto em fins de 1919, assumindo as indústrias que se formaram às margens do rio Tietê desde 1875.

Indícios da discriminação estão em alguns jornais da época, basta investigar com um olhar mais atento. Reproduzo parte de uma matéria de um jornal destinado à colônia espanhola publicado na cidade de São Paulo. Embora não aborde o enfrentamento direto entre patrões e empregados, vê-se a autoridade policial atuar com energia para evitar qualquer problema futuro aos industriais.

Reproduzo no original e traduzo livremente, a seguir, o fragmento de "Las huelgas y sus causas" [As greves e suas causas], Diario Español, 29/03/1920.

Acesse o original clicando aqui

"No caso de Salto de Ytu é uma nova manifestação de que a violência gera a violência.
Naquela povoação, reuniram-se na última quinta-feira os tecelões para determinar se iriam solidarizar-se com a atitude dos tecelões de S. Paulo e com os ferroviários do Rio de Janeiro.
Apareceu o delegado de política, Dr. Juan [João] Rodrigues de Salles Junior, e lhes intimou a se dispersarem.
Responderam-lhe os operários dizendo que não patricavam nenhuma desordem, nem cometiam nenhum delito, posto que somente tratavam de assuntos de próprio interesse, em atitude corretíssima.
Irritou-se o policial, sacou seu revólver e disparou várias vezes contra os operários, ferindo gravemente a Joaquín Moreno, e levemente a Antonio de Oliveira Bueno.
Então Juan Moreno, vendo o crime cometido contra seu irmão e a falta de razão para proceder de modo tão arbitrário, disparou um tiro contra o delegado, ferindo-o gravemente."

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966