12 de setembro de 2008

Pescadores

Os primeiros pescadores das águas do rio Tietê foram os índios guaianás ou guaianazes, cuja aldeia situava-se nas proximidades do Ytu Guaçu. Pontas de flechas encontradas nas imediações da Ilha Grande, localizada poucos metros à jusante deste painel, atestam a presença indígena. Para esse grupo, a pesca era a base de sua dieta.

Relatórios de antigas expedições militares, montadas numa época em que interior do Estado de São Paulo era um “sertão bravio” – na terminologia da época – registram a abundância de peixes nas águas do rio Tietê e citam algumas das espécies mais comuns então encontradas: dourados, saupés, pacus, piracanjubas, surubins, piracambocus, jaús, piracauxiaras, tabaranas, traíras, bagres e cascudos.

No século XIX, a pesca garantia a subsistência de alguns moradores dessa região, antes da instalação das primeiras tecelagens. Em 1844, por exemplo, o pescador Manoel Roiz da Silva pediu permissão à Câmara de Itu para fazer um girão de pesqueiro abaixo do Salto, no lugar então denominado Tumbador.

No início do século XX, com as primeiras tecelagens já instaladas, surgiram conflitos entre os industriais e os moradores que desejavam pescar na margem direita. O acesso aos pontos mais piscosos exigia o trânsito por áreas que os industriais consideravam de sua propriedade. Diante disso, dificultavam ao máximo o acesso. A instalação da Ponte Pênsil relaciona-se a esse processo.

A partir da década de 1920, viveu na Ilha Grande o pescador sírio conhecido por Chico Turco. Eram famosos os seus viveiros de peixes: grandes gaiolas imersas, nas quais o cliente escolhia ainda vivo o peixe desejado. Até a década de 1950, pescar no rio Tietê era algo possível aos saltenses. Após essa data, a gradativa chegada da poluição paulistana afastou os pescadores. Embora os peixes ainda existam, a contaminação das águas em nossa região impede a atividade pesqueira. Resta-nos, hoje, a esperança do retorno a uma época em que o rio também era visto como uma fonte saudável de alimentos.


Chico Turco exibindo o resultado de uma única noite de pesca no rio Tietê, 1928.

10 de setembro de 2008

Bandeirantes

Denominam-se bandeirantes os homens que, desde o final do século XVI e ao longo do XVII, em expedições que partiam de vilas como São Paulo, Taubaté e Santana de Parnaíba, percorreram os sertões brasileiros em busca, principalmente, de indígenas para a escravização, ouro, prata e pedras preciosas.

O número de componentes de uma expedição bandeirante variava de menos de uma centena a vários milhares. Em geral, as bandeiras de caça ao índio eram mais numerosas. Em média, tinha-se um branco ou mestiço para cada dez índios mansos, flecheiros e carregadores – profundos conhecedores da sobrevivência no mato.

No cotidiano das bandeiras prevalecia a autoridade máxima do chefe, também chamado de cabo-de-tropa ou capitão-do-arraial. Era este o posto ocupado pelos bandeirantes que os livros de história celebrizaram, tais como: Antônio Raposo Tavares (do qual o fundador da cidade de Salto, Antônio Vieira Tavares, era sobrinho), Bartolomeu Bueno da Silva (o Anhangüera), Manuel da Borba Gato, Domingos Jorge Velho, Fernão Dias, entre outros.

Representação de Raposo Tavares, retirada de publicação da Editora Abril, década de 1970.

As nações indígenas ao longo do vale do Tietê foram alvos das expedições bandeirantes desde muito cedo. A bandeira de Nicolau Barreto, de 1601, trouxe consigo grande quantidade de gentio aprisionado no sertão rio abaixo. Foram constantes também os ataques aos indígenas que viviam nas regiões dos atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Houve ainda as investidas às missões jesuíticas estabelecidas em território espanhol. A descoberta de ouro em Minas Gerais, no final do século XVII, e em Mato Grosso e Goiás, nas primeiras décadas do século XVIII, devem-se às bandeiras paulistas.

Os bandeirantes não foram os únicos responsáveis pela ampliação dos territórios portugueses na América e tampouco devem ser considerados heróis-civilizadores. Contudo, o processo de interiorização empreendido pela Coroa portuguesa, no século XVIII, seguiu as rotas abertas por eles. E as atividades econômicas que garantiram a ocupação e o povoamento desses novos territórios muitas vezes se guiaram por caminhos pioneiros e ilhas de colonização – representadas por arraiais, roças, minas e ranchos – resultantes das antigas expedições.

“Ciclo de caça ao índio”, 1923
Henrique Bernardelli
Óleo sobre tela
Acervo do Museu Paulista da USP

4 de setembro de 2008

A Festa do Salto no final do século XIX

Por volta de 1880, a povoação do Salto contava com não mais de 1500 habitantes. Todos os anos, no final do século XIX, normalmente entre os dias 7 e 10 de setembro, os trens da Estrada de Ferro Ytuana trabalhavam com horários e preços especiais: tudo motivado pelas Festas do Salto. Nessas ocasiões, a povoação se enchia de gente vinda de toda a região. Além das atividades religiosas, esse era o momento do ano para a prática de uma série de brincadeiras e divertimentos: mastro cocagne, corridas em sacos, tug-of-war, cabra-cega e boizinho bahiano. Era essa a parte profana da Festa. Não faltavam também as touradas, para as quais se cobravam entradas de um mil-réis. As ruas e casas da povoação eram enfeitadas nessas ocasiões festivas. À noite, grandes fogueiras eram acesas. Gente de todas as classes e de diversos lugares se aglomerava nas ruas de terra batida. A localidade se tornava colorida e ruidosa. Nas barracas montadas pelos “beduínos da roleta” a jogatina tinha lugar. O encerramento da festa, no dia 10, era marcado com os fogos de artifício tradicionalmente preparados pelo Joaquim Corneta, pirotécnico local.

Veja abaixo o que noticiava o jornal Imprensa Ytuana sobre a Festa, em 27.08.1882. Manteve-se, na transcrição, a grafia e a pontuação originais:

"EXPLENDIDAS FESTAS DO SALTO

Desde o dia 7 de Setembro começarão as festas que serão feitas com toda a pompa, terminando no dia 10 com um lindo e variado fogo de arteficio do muito conhecido e apreciado artista pyrotechinico, o nosso Joaquim Corneta. Para intelligencia dos devotos, abaixo damos o programa das festas.

Dia 7. Alem das demais festas costumadas na véspera haverá um trem de recreio que partirá de Ytu com uma banda de muzica as 5 horas da tarde conforme esta annunciado, e a noite haverá retreita e ladainha.
Dia 8. Missa cantada, sermão e procissão a tarde.
Dia 9. Este é o dia dos divertimentos para a rapaziada temos o Mastro Cocagne, corridas em saccos, jogo da cabra cega e o novo divertimento Tug of War da corda, cada um destes jogos dar-se-ha um premio ao vencedor.
Dia 10. Alem dos muitos divertimentos reservados especialmente para este dia, a noite queimar-se-ha os fogos que por si só tornão-se recomendaveis - visto serem caprichosamente feitos para esta festa.

Durante estes dias haverão trens especiaes - para conduzir a Rapaziada e a Estrada de ferro desta vez faz uma redução no preço da passagem, dando bilhetes de primeira classe de ida e volta por 3 patacas e dois vinténs. Chega Rapaziada o gammado la estará."

Segundo o historiador saltense Luiz Castellari (1901-1948), durante as Festas do Salto no final do século XIX, as ruas eram especialmente capinadas e enfeitadas com arcos de bambus e palmas. Ainda, bandeirinhas multicores eram colocadas em ziguezague pelas ruas, lanternas venezianas eram penduradas nos portais e fogueiras enormes iluminavam a povoação nos dias festivos.

José Maria Marques de Oliveira (1890-1981), em depoimento gravado em 1979, sobre as Festas do Salto diz: “No [meu] tempo de criança formava festa dia 8 de setembro em louvor a Nossa Senhora do Monte Serrat e tinha muitas irmandades [que] faziam procissão no dia 8, Dia da Padroeira, até hoje. E as barracas eram feitas de pau-a-pique, de pita, de cambuí... onde vendiam pastéis, quentão, coisas de noite de São João usavam na Festa de Setembro. Cuscuz etc. Doce de batata, de abóbora e... coisas mais e a Festa... [ocorria na praça] Paula Souza... ali eram feitas as festas profanas. [Tinha ainda] um cavalinho de pau que vinha de Tietê, de um homem; dois senhores tocavam realejo...”


A corrida de sacos em desenho do artista saltense Rodrigo Schiavon.

As tecelagens pioneiras

O despertar de Salto ocorreu no último quarto do século XIX, por conta da instalação de indústrias. A posição geográfica privilegiada, junto à cachoeira, foi fator decisivo para os primeiros investimentos fabris – dada a possibilidade do aproveitamento energético. A chegada da ferrovia, com a instalação dos trilhos da Companhia Ituana de Estrada de Ferro, em 1873, também influenciou.



Construção da usina da fábrica Fortuna junto à cachoeira, 1903.


Em 1875, o empresário José Galvão da França Pacheco Júnior inaugurou a primeira fábrica de tecidos na margem direita do rio Tietê, batizando-a de Júpiter. Pouco depois, em 1882, o Dr. Francisco Fernando de Barros Júnior, político republicano conhecido por Pai dos Saltenses, inaugurou a sua tecelagem, à qual deu o nome de Fortuna, poucos metros abaixo daquela pioneira.



Em primeiro plano, o rio Tietê correndo por entre matacões.
Ao fundo, prédios das tecelagens pioneiras e a então Rua do Porto, 1903.


Essas duas tecelagens pioneiras passaram, em 1904, às mãos de um único grupo industrial, a Società per l'Esportazione e per l'Industria Italo-Americana. Em 1919, seu patrimônio foi vendido à Brasital S/A, que permaneceu como proprietária de todo o complexo fabril até 1981. A partir deste ano, passou para o controle do Grupo Santista, que manteve a fábrica em funcionamento até 1995. Hoje, os diversos blocos abrigam um centro universitário.



O mesmo ângulo da imagem acima, já com as torres da Brasital, 1950.



Os industriais pioneiros: José Galvão (esq.) e Barros Júnior.




Curto vídeo de época que mostra a industria têxtil Brasital, a cidade de Salto e a Escola Anita Garibaldi.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966