18 de maio de 2012

Lendas de Salto e outras histórias

Ainda hoje recebi um pedido de uma professora saltense para lhe indicar fontes de pesquisa para "lendas saltenses". Confesso que inicialmente achei o tema um pouco estranho, mas me fez recordar um livreto que tive a oportunidade de conhecer quando trabalhava no Museu da Cidade. Trata-se de Pesquisa de Salto, de Eduardo Castellari - publicado em 2001, no qual são reunidas uma série de historietas e memórias do autor, relacionadas à cidade de seu tempo e ao que ele julgava importante perpetuar, como relato. Creio que isso seja o mais próximo que temos de uma fonte de pesquisa para as "lendas" da cidade. Transcrevo-o na íntegra, de forma a servir de fonte de pesquisa aos estudantes saltenses e à comunidade interessada, como um todo. Destaco que não foi feita revisão. Assim sendo, alguns erros de digitação e formatação podem aparecer.


    
Eduardo Castellari



    PESQUISA DE SALTO

  


Salto - 2001



AGRADECIMENTO

Agradeço A Todos Os Cidadãos Saltenses, que cooperaram com historias, causos e demais informações que permitiram a publicação desta pesquisa.



Eduardo Castellari




MAESTRO HENRIQUE CASTELLARI

Henrique Castellari nasceu em Parma (Itália) em 27 de Junho de 1880. Filho de Tito Eduardo de Priamo Castellari, emigrou para o Brasil em companhia de seus pais, tendo desembarcado no Porto Do Rio de Janeiro em 14 de Abril de 1891, de bordo de vapor Aquitania. Sua família instalou-se, depois, em Salto.
Desde menino, quando desempenhava as funções de acendedor dos poucos lampeões a gás que existiam na então vila do Salto de Ytu, revelou sua paixão pela música. Sua iniciação musical deveu-se ao Sr. José Francisco de chagas que, anos mais tarde, viria se tornar seu sogro. Em seguida ingressou na antiga Banda de Itu e, sob a regência e orientação do maestro João Narciso do Amaral terminou a primeira fase de seus estudos musicais. A partir daí, e apesar de todas as dificuldades e limitações da época, com grande entusiasmo dedicou-se ao estudo da musica tendo efetuado cursos de composição e regência. Integrou também a afamada orquestra do Dr. Viscardi, a orquestra N.S. Monte Serrat.
Muito cedo ingressou na Banda Musical saltense onde, graças a seus conhecimentos musicais e entusiasmo galvou vários postos até assumir a regência, que exerceu por cerca de 50 anos.
Sob sua batuta a Banda Musical Saltense conheceu uma fase áurea conquistando inúmeras honrarias tendo sido uma das principais bandas civis do país.
Quando das comemorações do Centenário da Independência, em 1922, por convite especial do Maestro Capitão Joaquim Antão Fernandes, Inspetor Chefe da Famosa Banda de Música da Força Publica do Estado de São Paulo, a Banda Musical Saltense realizou vários concertos na capital contando com um invejável elenco de mais de 50 figuras, superado apenas pelas Bandas Marciais. Sob a regência do Maestro Castellari, Felício Massela, Antonio Pereira de Oliveira (totico), Mauro Fabri, João Padovani, os Vitale (Guerino, Domingos e Reynaldo) e tantos outros abnegados e entusiastas.
Além da regência, o Maestro Castellari auxiliado pelo seu filho Luiz, ministrou ensinamentos musicais a inúmeros jovens saltenses tendo, vários deles, vindo a se destacar na música como, por exemplo, o Maestro Norberto Florindo, o Américo Mencarelli, o Manoel Antiqueira, etc.
O maestro castellari foi ainda um inspirador compositor de muitas peças musicais, a maioria delas ainda inéditas. É considerada sua obra prima o poema musical sobre costumes regionais intitulada “Uma Festa de S. João na Roça”. Essa peça teve sua primeira audição – conforme registros da imprensa da época – no dia 25 de fevereiro no campo do “Ítalo Futebol Club”. Dela participaram mais de 100 figurantes, inclusive muitos garotos que, pendurados nos galhos das árvores com assobios imitavam o canto dos pássaros na cena da alvorada. Entre os presentes se destacavam o Capitão Joaquim Antão Fernandes e o maestro Savino Di Benedictis, do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e autor do premiado poema sinfônico “Centenário”. Grande foi o sucesso dessa apresentação que mereceu elogios da crítica musical dos Jornais da Capital. Posteriormente, ocorreram várias outras apresentações da peça graças a grande aceitação verificada junto ao público.
A par de suas atividades musicais, o Maestro Castellari foi ainda um dos pioneiros da engenharia civil em Salto. Autodidata, e com muito esforço, ele logrou obter seu Registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Em 1932, a pedido do então prefeito municipal Major José Garrido, ele procedeu ao primeiro levantamento topográfico-militar do município. Posteriormente elaborou também a primeira planta de ruas da cidade.
O maestro Henrique Castellari faleceu em 19/12/1951, tendo deixado um enorme lastro de realizações em prol da cidade que, desde menino, ele adotou e tanto amou.
Casado com Dna. Luiza Izabel das Chagas Castellari, nhá lú, como era conhecida, teve vários filhos tendo três deles se destacado também na música: Luiz, José Maria (Zezé) e Henrique Jr. (Henriquinho) que foram ativos participantes da vida musical da nossa terra.



O BOI CHIBARRO
(Pesquisa e redação de Eduardo Castellari)


Boi chibarro. Acervo da Família Castellari, s/d.

Há ocasiões em nossa vida em que, sem uma razão muito lógica, certas lembranças voltam à baila e ficam martelando nossa memória. Foi o que aconteceu comigo. De repente, sem saber bem porque, lá estava eu lembrando, ou tentando lembrar de fatos ocorridos com o Boi Chibarro.
Por quê? Sei lá. O que sei é que de repente chibarro deixou de ser um simples nome perdido na lembrança de minha infância. Lembrança muito vaga, é verdade, mas que foi tomando vulto à medida em que crescia minha curiosidade e meu interesse. E parti então para as conversas com os antigos moradores da cidade. E o que era simples curiosidade passou a ganhar vulto e interesse.
Localizei, então, uma crônica escrita por meu saudoso irmão Zezé, publicado há anos no jornal “O Liberal” e entrevistei vários dos nossos conterrâneos que foram contemporâneos dos fatos. Suas narrativas me impressionaram bastante; À medida em que falavam seu entusiasmo crescia e eles gesticulavam, entonavam a voz, dramatizavam mesmo as narrativas, numa prova de que o Boi Chibarro realmente marcou as suas lembranças.
Este trabalho visa um único objetivo: perpetuar a lembrança do Boi Chibarro e seus toureiros que passara, a fazer parte da historia de Salto. Na transcrição dos depoimentos (sempre entre aspas) procurei manter a singeleza das narrativas, suas espontaneidades e seu sabor local.
“Boi Chibarro era boi de Jose Pereira. Boi de carro, manso, grandão, com dois ”baita” chifres. Ele era cinza, meio avermelhado. Por isso seu dono chamou- o chibarro (que quer dizer cor de barro)”.
“Quem passava beirando a cerca da Fazenda Boa Vista sempre via aquele boizão pastando sossegado. A gente podia passar perto que ele nem ligava. Não tinha perigo. Muitas vezes ele pastava também perto do Ajudante, nas terras do João Galvão. Lá onde hoje está a Vila Romão”.
“O dono do Chibarro era o José Pereira, oleiro nas terras do João Galvão. E ele usava o Chibarro para puxar o carro com tijolos até a cidade. Quem via não podia imaginar como ele virava fera nas touradas”.
“E era assim: quando chegava a Festa do Salto, Chibarro virava boi de tourada. O mais famoso e feroz de todos aqueles que por aqui passaram”.
“Nos dias de tourada, Chibarro era levado para a arena e os toureiros, todos enfeitados, desfilavam pelas ruas da cidade acompanhados pela Banda do Castellari, até o circo armado em frente à igreja de N. Sra. Monte Serrat”.
“Eu me lembro muito bem das tardes de touradas. Logo depois do almoço o povo ia tomando seus lugares (quando Chibarro ia ser toureado, os ingressos esgotavam logo). E a Banda dos Castellari animando a festa com dobrados, valsas, xotes... um mais bonito que o outro”.
“Um dia Luiz Toureador quis pegar o Chibarro à unha e pegou-o de mau jeito. O Chibarro ergueu a cabeça e o Luiz ficou pendurado no chifre. Ele foi contra a cerca e se o Luiz não fosse esperto e saísse correndo, o boi prensava-o na cerca”.
“Antes de soltar o Chibarro na areia, eles pediam para todo mundo se afastar da cerca que era para deixar espaço para os toureiros subirem na hora do aperto. E quantos não saíram voando por cima da cerca fugindo das chifradas do Chibarro! Criançada, então, pai nenhum deixava chegar perto. Era um perigo. E aquele boizão ficava raspando o chão com a pata, fungando... e o povo delirava”.
“Ele era muito perigoso, malicioso e terrível porque era muito toureado. E até parece que quanto mais toureavam, mais ele ficava perigoso porque ia aprendendo as manhas. Ele ameaçava investir na capa e, na hora “agá”, quando o toureiro capeava pro lado, ele ia em cima do toureiro. Por isso muita gente saiu ferida pelos seus chifres”.
Poucos foram os que tiveram a coragem de pegar o Chibarro a unha. E os poucos toureiros que realizaram a façanha ficaram famosos e tiveram seus nomes marcados na história das touradas locais:
“O primeiro que conseguiu pegar o Chibarro à unha foi o famoso Luiz de Nhá lú, que depois foi chamado Luiz toureador. Seu nome verdadeiro era Luiz Gonzaga. Ele ficou em pé, em cima de uma cadeira, e quando Chibarro veio ele se lançou por cima e agarrou firme os cornos da fera. Isso eu vi”.
“O segundo que pegou o Chibarro à unha foi o João Corajoso, um Espanhol que andava por estas bandas naquela época. Depois veio o Menilique”.
“Lembro uma vez, o Luiz Toureador – que era um caboclo forte como quê pendurado na cabeça do Chibarro, agarrado aos seus chifres. E Chibarro, acostumado à canga, abaixando e levantando a cabeça com o toureiro pendurado”.
“Uma vez eu vi o Luiz Toureador sair correndo e o Chibarro atrás.  Luiz tentou subir na cerca mas não deu tempo. Chibarro pegou-o por baixo e jogou o toureador para fora da arena, por cima da cerca. Luiz se machucou todo. Eu me lembro bem. Eu era moço novo, podia ter uns 18 ou 20 anos. Eu nasci em 1902 e isso foi em 1920 ou 22. Por aí”.
“Eu vi Chibarro ferir muito toureador. Uma vez eu vi o Luiz Toureador errar uma pegada à unha. Aí então ele quis fugir e o Chibarro pegou-ode jeito e deu-lhe uma violenta cabeçada e jogou-o bem longe. O Luiz ficou muito machucado e durante um bom tempo andou de muleta pela cidade. Isso foi no ano de 1918 mais ou menos. Eu me lembro que foi antes do Castellari ir pra São Paulo com a Banda”.
“Consta que, uma vez, para poder tourear o Chibarro, amarraram seu tornozelo com arame e apertaram com alicate. Um toureiro que tentou pegar o Chibarro à unha saiu mal e o boi pegou-o pelos chifres. Esse toureiro ficou marcado pelo resto da vida e nunca mais pôde tourear”.
“Eu vi uma vez o Luiz Toureador pegar o Chibarro à unha, de costas, e sentado numa cadeira. Para pegar o boi foram precisos quatro homens fortes segurar os chifres, dois de cada lado. O boi era muito forte. Isso foi entre 1921 e 1922”.
“Uns toureiros de fora duvidaram das histórias do Chibarro e vieram aqui para toureá-lo. Mas não conseguiram fazer o que pretendiam. O Chibarro deixou muitas saudades. Por isso eu dei o nome de Chibarro para um boizinho vermelho que eu tenho lá no sítio”.
“Eu vi tourearem o Chibarro. Luiz lutou muito com ele. Primeiro pegou à unha e começou a torcer o pescoço do boi, devagar até o Chibarro deitar no chão. Luiz venceu um gigante de 25 arrobas. Isso foi antes de eu ir morar em São Paulo. Eu mudei prá lá em 1922. Foi mais ou menos em 1920 ou 1921”.
“Os melhores toureiros eram o Luiz e o Menilique. O povo gritava: Pega à unha! O Luiz para fazer bonito prá sua amada, fez uma bonita pegada: ajoelhou-se e pegou o Chibarro à unha. O Menilique era um pretinho baixo mas muito ligeiro. Na época eu tinha 16 anos mais ou menos. Eu nasci em 1906”.
Acabado o espetáculo, José pegava o Chibarro e saía do circo em passos lentos. Chibarro voltava a ser boi de carro. Voltava para a tranqüilidade do seu pasto e para sua sai de carregar tijolos. Até o ano seguinte quando ele voltaria a empolgar as platéias das touradas.
Até que um dia, algum malvado amarrou garrochas com bombas nas suas costas. O Chibarro assustou-se muito e ficou com medo de bombas. Daí para frente não deu mais para tourear o Chibarro. E ele foi passando para outros donos.
E veio o seu triste fim...
Um dia chibarro foi levado ao Matadouro. Quando o povo soube disso se juntou, protestando, em frente ao Matadouro.
“Eu era moço novo e assisti a tudo. Eu vi o Chibarro sair da mangueira grande e subir aquele corredor que levava onde o gado era abatido.
E aí acabou o Boi Chibarro. O povo em frente ao matadouro ficou muito triste. Uns xingavam, outros praguejavam...”
Durante muito anos ainda Chibarro ficou na lembrança de todos. Muitos açougueiros mantinham uma foto do boi à vista dos fregueses. E, com o Boi Chibarro, acabou uma era na vida da pacata Salto de outrora. Outros bois vieram depois, outros toureiros surgiram. Mas nenhum deles superou o lendário Boi Chibarro.
                                                                  Fontes: crônica de J. M. Castellari,
                                                                  publicada no jornal “o liberal” e
                                                                 depoimentos de antigos moradores
                                                                 de Salto”.


A MAIS BELA “PEGADA A UNHA”
QUE JÁ HOUVE AQUI NO SALTO

Essa história era narrada pelo sr. José Lobo, antigo músico da Banda Musical Saltense, que assistiu ao grande espetáculo desta bonita “pegada à unha”.
Era tão grande o seu entusiasmo que ele gesticulava imitando os gestos do famoso Luiz Toureador.
Esse Luiz Toureador, que na verdade se chamava Luiz Gonzaga, dizem que veio de Tatuí para uma tourada aqui no Salto. Gostou tanto da cidade que acabou ficando para sempre. Ele tocou na Banda do Castellari e, quando encerrou sua careira de toureador, foi trabalhar na Brasital. Quando aqui chegou ele já era um toureador profissional famoso por reunir muita técnica e coragem. Sua fama espalhou-se por todo o Estado de São Paulo. Tanto que, nos intervalos das touradas aqui do Salto, ele viajava muito apresentando seus espetáculos.
Luiz Toureador se destacava principalmente pela sua grande especialidade: pegar o touro a unha além da elegância e coragem de suas “capeadas”. Ele era também um exímio montador de bois.
Naquela época havia aqui no salto um touro também muito famoso: o Boi Chibarro. O Chibarro, boi perigoso e matreiro, era especialista em enganar os toureadores: quando parecia que ele ia investir ele negava, para no instante seguinte investir furiosamente. Ao pobre toureador, pego de surpresa, só restava correr e subir logo na cerca, para se livrar dos chifres do Chibarro. E o povo, vendo o temor dos toureadores sentados na cerca gritava “desce. Desce. Desce!”. Chibarro era o terror dos toureadores. Ele entrava na arena bufando, fungando como uma locomotiva e corria em volta da cerca procurando combate, sempre com a cabeça erguida e as orelhas atentas ao rumor do povo.
E, num certo dia, o destino reuniu na mesma arena o grande Luiz Toureador e o terrível Boi Chibarro. Era um duelo de gigantes! E lá estava o Luiz Toureador sentado na cerca olhando para o Chibarro que, que muito bravo, bufava desafiando a todos.
Então, sem que ninguém esperasse, o Luiz Toureador saltou e correu para o centro da arena.
Lá ele se ajoelhou e ficou imóvel, de mãos postas, olhando para o alto como se fosse um Santo num momento de oração!
O povo emudeceu de surpresa e de temor pela audácia do homem.
Ao perceber aquele homem lá no centro da arena, o Chibarro partiu como um raio para cima dele. O povo continuava mudo de espanto.
Quando o Chibarro chegou a apenas alguns centímetros, o Luiz Toureador num movimento rápido como um corisco, agarrou-se à cabeça do Boi que saiu pulando e cabeceando. E o Luiz Toureador alí, firme, sem esmorecer, completando a mais audaz e mais bonita “pegada a unha” de que se tinha notícia aqui no Salto. Então, o povo explodiu numa algazarra de gritos e aplausos. A Banda do Castellari também saindo do espanto tocou uma música digna daquele grande momento de glória.
Nunca ninguém ficou sabendo qual motivo que levou o Luiz Toureador àquela encenação da grande pegada. Seria uma homenagem a algum Religioso que estivesse assistindo? Seria o cumprimento de alguma promessa? Seria uma demonstração de coragem por uma aposta? Quem sabe? O fato é que isto continuará em segredo para sempre.
O Luiz Toureador foi o toureiro que mais toureou aqui no Salto, como narrei em outro artigo dedicado ao Boi Chibarro, já publicado.
Tanto o Luiz Toureador como o Boi Chibarro foram personagens que, à sua maneira, marcaram época na história de nossa terra e bem que mereciam ter seus nomes perpetuados em algum recanto de Salto. Fica aqui a sugestão.
E fica aqui também a nossa lembrança e nossa saudade daqueles tempos em que as touradas era a grande diversão do povo. E nossa saudade dos palhaços que promoviam as touradas, circulando pela cidade com sua cantilena acompanhados pela criançada que repetia o refrão:
- “Pisaram na copa do meu chapéu.
Moça bonita não entra no céu.
Pisaram na copa do meu chapéu.
Moça feia não entra no céu.
Pisaram na copa do meu chapéu.
Mulher faladeira não entra no céu!”




AS TOURADAS

“Pisaram na copa do meu chapéu.
Moça bonita não entra no céu.
Pisaram na copa do meu chapéu.
Moça feia não entra no céu.
Pisaram na copa do meu chapéu.
Mulher papuda também não entra no céu.”
E lá ia o palhaço pelas ruas da velha Salto, promovendo as touradas que se aproximavam. E a molecada animada atrás, repetindo o refrão.
E a cada ano as emoções se renovando. O povo ansioso queria saber quem seriam os heróis daquele ano. Quem seriam os toureiros – aqueles homens corajosos que arriscavam suas vidas enfrentando toda sorte de touros violentos e traiçoeiros.
Será que vem o Chiquito Parafuso? E o espanhol João Corajoso, que tinha no sangue a paixão pelas touradas? E o Ramon, o Hídalgo, o Manuel Torres, o Zezinho, o Braizinho, e o Rapadura? E os famosos Luiz Toureador e o Menilique? Esses não podiam Faltar.
Cada um com sua especialidade. O Braizinho era capeador. O Luiz Toureador fazia o público delirar quando pegava o touro à unha. O preto Menilique, então, esse dava salto mortal com vara de frente e por cima do boi. O Rapadura dava salto mortal sem vara do lado do boi. O Parafuso dava salto mortal com vara de frente e por cima do boi! E, mais ousado, às vezes enfrentavam o bóie, quando este abaixava a cabeça para investir, ele rapidamente pisava na cabeça do boi e pasmem caminhava pelas costas dele até pular no chão, por cima do rabo.
Mas havia sempre os acidentes. Uma vez o Menilique errou e apoiou a vara muito próximo ao boi, que bateu com a cabeça nela e desequilibrou o toureiro. Menilique, coitado, caiu com o rosto sobre os chifres do boi e sofreu violenta dilaceração. Apareceu até o osso, branco, ressaltando sobre sua pele escura.
Dizem os antigos que o preto Parafuso foi o melhor toureiro que andou por estas terras. Elegante e perfeito em suas manobras ele lidava com os bois como se brincasse com um manso cachorrinho.
E para a criançada o bom mesmo eram os intervalos das touradas: palhaços com roupas largas e cheias de palha simulavam toda sorte de acidentes com os bois. Eram chifradas, coices, cabeçadas, etc. que arrancavam gostosas gargalhadas do público.
Até toureiros estrangeiros que estiveram por aqui. Foi a companhia espanhola “Circo de touros de la Madrid”, com pessoal ricamente vestidos à moda das touradas de Madrid.
De todos os toureiros que fizeram nome por aqui apenas o Luiz Toureador morava no Salto. Seu verdadeiro nome era Luiz Gonzaga e tocava sax harmonia na banda do Castellari. Depois que abandonou as touradas, ele foi trabalhar na Brasital.


  
 O GRANDE ESPETÁCULO DA NATUREZA

O nosso rio Tietê foi um rio de muita água, límpida e sem poluição. Eu ainda menino, tive satisfação de vê-lo assim. Hoje, quando vejo o nosso rio sujo, poluído e sem vida... quanta tristeza... quantas saudades...
Lembro-me muito bem de um grande espetáculo da natureza que tive a oportunidade de presenciar nos idos de 1929.
Naquele tempo, a cidade era pequena e calma e o barulho da cascata era ouvido em toda a parte.
No final daquele ano fortes e prolongadas chuvas caíram nas cabeceiras do Tietê e o volume de suas águas aumentou enormemente e os saltenses puderam então presenciar um grande espetáculo (que narrarei a seguir) amenizando um pouco as dificuldades da grande crise financeira.
Aos domingos, por volta das 8 ou 9 horas o povo já começava a chegar e a ponte pênsil ficava lotada. Para além da ponte e até a gruta, próxima do teleférico, as pessoas procuravam os melhores lugares para apreciar o grande espetáculo da cascata.
O rio, correndo com grande velocidade e enorme massa d’água se contorcia entre as pedras, levando enormes ondas, espuma e garoa por todos os lados.
Os pescadores não se cansavam de puxar suas redes cheias de peixes, qual o “milagre dos peixes” quando S. Pedro lançou sua rede ao mar.
O arco-íris aparecia logo que o sol despontava dando mais colorido ao espetáculo.
O sol, majestoso, clareava o palco do rio volumoso com o cenário das monumentais pedras de granito emolduradas pelo verde da mata.
A revoada dos taperás começava! Voando baixo ou alto em círculos, sempre cantando, eles circulavam por todos os lados num majestoso espetáculo de ballet. Era impressionante” A gente sentia sua alegria em poder voar e cantar no meio daquelas nuvens de garoa da cascata. Eram centenas, talvez até milhares de taperás numa grande demonstração de acrobacia aérea. Outros então, preferiam pousar e se agarrar às pedras e debaixo da ponte para receber os borrifos da água. As pedras chegavam a ficar escuras tantos eram os taperás pousados.
E o grande espetáculo se completava com o ballet dos peixes! Centenas deles, em grandes cardumes, tentavam subir o rio e saltavam sobre as corredeiras. E ao saltar, a luz do sol, refletindo neles, enchia o rio de centenas de faíscas prateadas e douradas – quer saltando sobre as ondas, quer pulando sobre as pedras quando a água baixava. Eram grandes cardumes de lambarís, piavas, piquiras, mandis, mandijubas, etc. E, soberano e majestoso, o dourado se sobressaía dentre todos com seu grande tamanho, sua cor amarelada que brilhava ao sol como se fosse de ouro.
E havia outros participantes do espetáculo: o Martim pescador que ficava pousado sobre as pedras pronto para entrar em ação. Ao vislumbrar algum peixe em posição favorável ele, numa fração de segundo mergulhava e logo voltava com um peixe no bico.
Também os grandes lagartos (que habitavam as pedras da cascata) eram destaque no espetáculo.
Eles ficavam se imóveis com a cabeça levantada. Vinha uma onda e cobria a pedra, quando a onda baixava muitos peixes ficavam se debatendo sobre a pedra procurando voltar para a água. E o lagarto aproveitava para abocanhar sua refeição. Depois de saciada a fome eles então procuravam uma pedra mais alta e seca e ao sol dormiam tranqüilamente sem se importar com o que acontecia ao seu lado.
Esse espetáculo se repetia durante todo o dia, variando apenas as nuances de cores, conforme o sol caminhava pelo céu.
E à tardinha, quando o sol começava a se aproximar do horizonte, o rio começava a mudar de cor, acentuando o reflexo do verde das matas laterais. As rãs e sapos começavam a coaxar com suas vozes diferentes e características.
O sol apagava lentamente sua luz... e o luar e as estrelas iam despontando no céu. Tudo escurecia. Era o grande final do espetáculo, que se repetiria no dia seguinte. Beleza igual, será muito difícil a gente voltar a ver.
Beleza igual, somente lá no céu. E, como diziam os antigos: “No céu, no céu com minha mãe estarei”.
  

O GIGANTE SALTENSE -  SALTO ANTIGO: 1913

Vivia atrás da Igreja Velha De Salto um gigante.
Todos tinham muito medo dele. Alguns trocavam de calçada e outros se benziam. Ele não mexia com ninguém. Dois anjinhos vieram chorando e contaram que estavam olhando por baixo do pano de circo e um soldado deu uma refada nas costas deles. O gigante embraveceu, olhou para o alto e o céu escureceu. Ele saiu gritando: “Venham que eu quero dar de comer para as aves do céu”. Desceu jogando tudo o que encontrava pela frente: carrinho de pipoca, de algodão doce, etc.. No circo, a Banda do Castellari era ouvida de longe.
O gigante foi até a porta do circo e começou a briga; a briga do homem conhecido como Miranda. Miranda era um moço bom, mas não levava desaforo para casa. Eu sou contra qualquer violência. Devemos respeitar a policia, a Guarda Municipal e os vigilantes noturnos. Eu conto este caso apenas por motivos históricos.
O Miranda estava atrás da igreja velha e dois meninos vieram chorando contar que estavam olhando por debaixo do pano do circo e veio um soldado e deu uma refada nas costas deles. O Miranda, então foi até o Cortiço do Caetaninho, onde morava, pegou o relho e foi até a porta do circo, onde começou a luta. Ele chegou e já foi dando com o relho nos soldados que lá estavam. Eram 4 ou 5 soldados da Milícia. Tinha soldado que não sabia o que estava acontecendo. Para se defender, sacaram o refe. As pessoas que estavam na porta do circo, foram se afastando e ficaram olhando de longe. A banda do Castellari tocava uma valsa e dentro do circo toda a atenção era para uma mulherona bonita que trabalhava no arame. Só se ouvia o estralo do relho e o tinido dos refes.
Miranda passava o pé e fazia os soldados virarem de pernas pro ar. Não contente, ele avançou dando socos derrubando os soldados no chão, atordoados.
Os soldados se levantaram e resolveram matá-lo. Foram se armar com revólveres e saíram a procura do Miranda pela cidade. Um deles o encontrou ao lado da igreja. Deram dois tiros mas erraram e quase acertaram uma mulher que estava na janela de sua casa.
No dia seguinte, o Miranda se apresentou ao Delegado de Polícia e o caso foi dado por encerrado.
Os tiros que quase acertaram a mulher na janela fizeram buracos na parede. O dono da casa não deixou mais consertar a parede para ficar como lembrança do episódio. A casa não existe mais pois demolida.



ESTÓRIAS DE LOBISOMENS

Existe uma crendice popular que diz que algumas pessoas, em determinadas condições, se transformam em lobisomens. Essas condições, porém, nunca ficaram muito explicadas. Dizem, por exemplo, que a mudança ocorre nas luas novas enquanto que outros dizem que é na lua cheia. O fato é que a crendice é muito forte, principalmente entre os moradores do interior.
Existe até uma tentativa de se dar uma explicação científica para o fato: seria uma doença mental chamada Licantropia, de origem genética.
Essa doença, durante suas crises, provoca alucinações, e a pessoa atacada começa a ver crescer pêlos e rabo em seu corpo e unhas de cachorro em seus dedos. Daí a ilusão de ter virado cachorro e ela passa então a latir, uivar, andar “de quatro”, a comer carne crua e a rolar pelo chão como fazem os cães. Esses sinais começam a desaparecer quando a crise começa a passar. Há ainda alguns tipos que se julgam mudados em porcos.
Essa moléstia, então, provocou o surgimento da lenda do lobisomem, e os casos eram agravados pelo exagero popular nas narrativas. Em Salto ocorriam muitos casos de licantropia porque, naquela época era muito grande o movimento de migrantes vindos, muitas vezes, de pequenas colônias onde eram comuns os casos dessa doença.
Salto antigo, uma pacata cidade com cerca de 5 mil habitantes em 1920, onde tudo ocorria monotonamente, sem muitas novidades, propiciava condições para que muito se falasse em lobisomens.
O povo, em geral, vivia numa rotina pacata sem muitas opções de lazer. Durante a semana, após o trabalho, o povo assistia à “reza” que era a única atividade possível. Fora disso ficava-se em casa conversando e contando “causos” e, é lógico, sempre apareciam as estórias de lobisomem. Aos sábados e domingos, o povo tinha outras opções: de dia, circo ou touradas (quando havia), futebol, caça ou pesca e à noite concertos de banda.
Mas era nas noites solitárias da semana que as coisas se complicavam. Como é comum, nessas noites, costumava-se ouvir latidos e uivos pelos quatros cantos da cidade, para além das “7 casas” da Vila Teixeira, do Pavilhão, da Chácara do Castellari na vila nova.
E aí o povo começava a associá-los aos lobisomens. Para agravar a situação, quem morava perto do cemitério ouvia ainda o tilintar provocado pelo vento nas flores das coroas fúnebres (que naquela época eram feitas de chapas de lata recortadas). Dizia-se, então, que os mortos lá sepultados, estavam chamando a atenção porque queriam alguma coisa.
Tive a curiosidade de pesquisar o assunto ouvindo muitas narrativas de casos havidos aqui no Salto. Alguns desses casos eu narro a seguir, com a única intenção de registrar fatos folclóricos que fizeram parte de nossa vida.
1- Uma senhora foi casada com um lobisomem e não sabia. Por isso, o marido fazia questão de dormir em quarto separado. Naquela época as mulheres costumavam usar chalés de lã compridos e com franjas nas pontas. Numa noite de lua cheia essa senhora vinha voltando da reza e foi atacada por um lobisomem o bicho agarrou o chalé com os dentes, mas a mulher reagiu, puxou o chalé e saiu correndo assustada. Voltou para a casa e se trancou no seu quarto. No dia seguinte ela foi contar o caso para o marido. Ele olhou para ela e sorriu, quando então a mulher viu os fios da franja de seu chale presos entre os dentes do marido. A mulher ficou tão apavorada que saiu correndo e nunca mais voltou para casa.
2- Numa fazenda, uma família de imigrantes italianos trabalhava duro de sol a sol. Num determinado dia decidiram ir trabalhar no galpão até mais tarde para preparar a colheita do dia seguinte: apenas um dos membros da família – um jovem – não quis ir. Era noite de lua cheia. No caminho para o galpão apareceu um cachorrinho acompanhando-os. Ele foi enxotado, mas se recusava a fugir. Então, um homem do grupo deu uma varada nas costas do cachorrinho que saiu correndo e uivando a sumiu no mato. No dia seguinte, o jovem, que não foi trabalhar, apareceu com um enorme vergão nas costas e disse: “Olha o que vocês fizeram comigo ontem à noite”.
3- Dizia-se que para conhecer quem é lobisomem basta oferecer um pouco de sal. Numa noite, uma mulher sentiu-se incomodada por ouvir uivos de lobisomem na porta das casas. Abriu a janela e ofereceu sal e foi se deitar. No dia seguinte, logo cedo, bateram à sua porta. Ela atendeu e um homem disse: “Eu vim buscar aquilo que a senhora me ofereceu ontem à noite”. Ela respondeu que não tinha para dar. O homem então ficou muito bravo e disse: “A senhora nunca mais ofereça a alguém aquilo que a senhora não tem”.
4. As pessoas tinham muito medo de lobisomens. Para quem trabalhavam à noite era um sofrimento quando voltavam para casa. Em geral caminhavam pelo meio da rua, em passos largos, com medo de virar a esquina e dar de cara com um lobisomem “de quatro” e uivando. Numa noite o fato aconteceu. Um certo cidadão foi atacado por um lobisomem e voltou correndo para a casa e de tão aflito que estava não conseguiu encontrar o buraco da fechadura. Sua mulher que já o esperava veio salvar-lhe e abrir a porta.
5- Em casa onde tinha lobisomem (algumas casas tinham até dois) a mãe costumava sempre manter a porta fechada com chave e nos portões do corredor externo punha sempre um cadeado. É que, segundo se dizia, lobisomem não sabe abrir fechadura. Quem passava pela rua ouvia latidos e uivos, achava que era bebedeira dos moradores.
6- Um antigo morador contava que perto de sua casa havia um homem que se transformava em lobisomem-porco. À noite ele saia correndo e gritando pelas ruas assustando todo mundo. No dia seguinte ele aparecia cansado e ofegante, roncando com voz grave e compassada.
7- Antigamente dizia-se que para saber se alguém era ou não lobisomem bastava olhar com atenção o cotovelo. Se a pele do cotovelo for grosseira e enrugada era lobisomem na certa, porque os lobisomens costumavam andar “de quatro”, o que deixava marcas na pele.
Hoje em dia não existe mais lobisomens porque a doença de sua origem, a licantropia, é curável em virtude do avanço da medicina. Antigamente não havia essa cura: quem nascia doente ficava doente a vida inteira.



A GRANDE FIGUEIRA

Nos dias de hoje muito se fala em ecologia e preservação de árvores. Por isso, num dia destes, veio-me à lembrança um verdadeiro crime ecológico ocorrido aqui em Salto, há cerca de 70 anos.
Naquela é poça, vicejava aqui em Salto uma frondosa figueira, já com seus 200 ou talvez 300 anos de existência, muito maior – mais alta e mais copada – do que o também famoso “arvão” que existia atrás do Grupo escola. De quase todos os cantos da cidade sua majestosa copa era vista, balançando suavemente seus galhos ao sabor dos ventos. Como era linda!
Essa frondosa figueira localizava-se na confluência da rua de Campinas (hoje 9 de julho) com a rua Atraz do Céu (Hoje Av. D. Pedro II), no quarteirão onde está o prédio da Associação Comercial. Toda essa área era, então, ocupada por um imenso cafezal, ou o que restava dele: tudo velho e abandonado depois de queimado pela grande geada de 1918. Nessa época servia apenas de campo para os habitantes que dele tiravam lenha para seus fogões.
A enorme sombra que a figueira projetava abrigava sempre dois carroções de carne e um carro fúnebre (puxado por cavalos) como nos contava seu proprietário, o saudoso sr. Pedro Pollo. (Sua família tinha vindo de Capivari em 1913 e de lá trouxeram o carro fúnebre que passou a atender aos féretros de Salto e de Itu). O pitoresco, como narrava o sr. Pollo, é quem à noite, o carro fúnebre era muito disputado pelos pobres “sem teto” da época, para nele dormirem à falta de melhor teto.
Ainda hoje, quando passo por essa esquina, olho para o alto e fico relembrando aquela beleza toda balançando suavemente seus galhos. Quanta saudade...
A região era muito deserta. Para se ter uma idéia, da figueira até o cemitério velho, na Vila Teixeira, pela atual Av. D. Pedro II, existia apenas a cãs do citado sr. Pollo e, próximo à rua descia em direção à igreja mais umas 8 ou 9 casas. Descendo essa rua, ao lado da Igreja mais algumas casas. O restante era tudo campos. Também para os lados da antiga cadeia e Grupo Escolar, apenas 2 ou 3 velhas casas.
O crime ecológico a que me referi no início da crônica ocorreu em 1925, quando do início da construção das casas da Vila da Brasital. Sem nenhuma necessidade puseram abaixo a grande e bela figueira. Em poucas horas, centenas de ano de vida vegetal foram destruídos. Já imaginaram a quantidade de pássaros que perderam seus abrigos e fonte de alimentos?
Não houve nenhuma razão lógica para essa derrubada. A arvore estava fora do alinhamento das ruas e poderia ter sido preservada. Bastaria ter se deslocado o alinhamento das casas em apenas uns 15 metros. Falta de espaço não poderia ter sido alegada porque havia muito terreno em volta e a preços muito baixos.
Para se ter uma idéia dos custos de terrenos, cinco anos antes – em 1920 – o Castellari adquiriu dos irmãos Estevão, uma área de terra por “2 contos de réis” e em prestações, para nela formar a sua chácara. E essa chácara, como muito lembrarão, se localizava na rua de Campinas, em direção a Indaiatuba e bem acima do local da figueira (onde hoje está a Travessa Maestro H. Castellari). Mais tarde, para aumentar a sua chácara ele adquiriu mais um lote de terra pelo valor de “1 conto de réis” (Nesse lote existia uma casa de pau a pique onde morava Nhá Emilia e seu filho, conhecido por Ditu Gudú). Defronte a esse casebre existia uma porteira e daí para cima eram todas terras dos irmãos Estevão, cortadas pelo caminho de Campinas, em sua maior parte percorrida por boiadas e tropas de burro. Terra havia à vontade.
Longínquos e bons tempos aqueles.
Em andanças pelos arredores da cidade com o meu pai (que era agrimensor) quanta coisa interessante eu testemunhei na natureza. A caçada do “gavião peneira” – assim chamado porque quando vislumbrava sua caça ficava pairando no ar, batendo suas asas como se estivesse peneirando algo, até o momento propício do mergulho fulminante e a volta para o espaço com a caça nas garras, fosse ela um coelho, um calango, um rato ou até mesmo uma pequena cobra.
Lembro-me também que na chácara do Castellari era comum enorme borboleta de cor negra com as asas na cor azul na parte de cima. Quando ela movia as asas o resultado da combinação dessas cores era deslumbrante. Nunca mais eu vi esse tipo de borboleta. Talvez tenha sido extinta pela ação predatória do homem.
Outra recordação: pelos lados da “água do Bom Retiro” existia uma variedade muito grande de frutas silvestres. O que mais me chamava a atenção era um tipo de abacaxi silvestre pequeno e muito doce, conhecido por ananás. Na época de sua maturação era muito procurado por pessoas da cidade.
Salto era então cidade de sítios e chácaras, algumas delas conhecidas pitorescamente por nomes associados aos apelidos de seus proprietários, como por exemplo, Sítio do Careca, Sítio do Cabelo Vermelho, etc. O que marcou mesmo, e agora voltou-me à lembrança foi o episódio da grande figueira.
Na época houve muita repercussão entre os antigos moradores da cidade pois era opinião unânime que não havia nenhuma necessidade de seu corte. Foi mais um dos inúmeros crimes ecológicos.
Tivesse sido preservada – com um lindo jardim em sua volta – e com toda a certeza ela ainda hoje estaria em seu canto – agitando suavemente sua frondosa copa, dando abrigo e alimento à passarada alegre e sua sombra amiga para os homens – como mais um marco turístico de nossa querida Salto.

Nota: A crônica acima foi baseada em lembranças de minha meninice e em depoimento de muito dos antigos moradores da cidade.
Salto, 7 de janeiro de 1993
Ilmos. Srs. Diretores da
FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA
R. Manoel da Nóbrega, 456
04001-082 – São Paulo

Prezados Senhores,

Para conhecimento de V. Sas., estou anexando um recorte do jornal “O Taperá”, desta cidade, edição de 24 de outubro [ultimo, no qual foi publicado um artigo de minha autoria intitulado “A Grande Figueira”.
Trata-se de uma modesta contribuição que pretendi dar ao excelente trabalho de defesa do meio ambiente que vem sendo desenvolvido por muitos cidadãos e associações, principalmente a SOS Mata Atlântica.
Aliás, com grande satisfação posso dizer que este meu modesto trabalho alcançou o seu objetivo, pois foi muito boa a sua repercussão junto à sociedade saltense, inclusive junto aos jovens, marcando sua consciência para os problemas ecológicos.
Sem mais, aceitem meus sinceros cumprimentos.

Atenciosamente


Eduardo Castellari
Rua 9 de Julho, 229
13320-000 – Salto – SP




A GRUTA DOS MORCEGOS

Contada por um músico antigo na Banda Saltense, João Martins.
Ele Dizia ao Maestro Castellari que, segundo se comentava, essa gruta era tão profunda que ninguém sabia dizer quantos quilômetros ela teria. Eu não conheço essa gruta, mas vou narrar o que os antigos moradores diziam.
No tempo da escravidão, um fazendeiro levou um escravo para essa Gruta, deu-lhe uma corneta, e mandou que ele entregasse pela gruta a dentro tocando a corneta sem parar. E ficou na boca da gruta ouvindo o “tá, tá, tá...” da corneta. O escravo foi se aprofundando até o centro da gruta, até que não se ouvia mais o toque da corneta. Só depois de muito tempo o fazendeiro começou a ouvir novamente o toque da corneta se aproximando da boca da Gruta.
Eu conversei com um antigo morador do Buru, que disse serem 3 grutas dos morcegos lá na antiga estrada de Capivari. Duas delas pequenas e uma grande. As duas pequenas tinham mais ou menos 3 metros e meio de profundidade. A outra, que dizia ser muito funda, tinha mais ou menos 18 ou 20 metros de profundidade. Na frente ela media mais ou menos 3 metros de altura, e ia diminuindo até 1 metro no fundo.


REMINISCÊNCIAS SALTENSES

A IGREJA VELHA
Nem tudo que é velho é fraco.
Há muitos anos atrás, quando foram derrubar a Igreja Velha, aqui do Salto, todos pensavam que ela cairia com um simples empurrão, tamanha era sua aparência de frágil. Foi tudo ao contrário. Ela estava muito mais forte do que se supunha. Foi assim: ligaram um cabo de aço entre a parede da igreja e o caminhão do Salim. Ligaram o motor; o caminhão foi acelerado ao máximo. Mas todos se decepcionaram: o “tombo” da parede não aconteceu. As rodas do caminhão do Salim giravam em falso e não saia do lugar. A parede ficou onde estava. Ela só foi derrubada quando utilizaram a força de um trator.
Mas foi uma pena que essa igreja tenha sido demolida, tal era sua beleza. Todos os trabalhos de decoração de seu interior foram feitos por um arquiteto desconhecido, mas apresentava um grande número de obras de arte, conforme é narrado no livro “A história de Salto” de Luiz Castellari (pág. 28). Ela foi construída em dois níveis, sendo que no primeiro nível se localizava a nave principal e no segundo o coro e as entradas para os púlpitos. (ver foto do seu interior, tomada em 1928, a pág. 13 do mesmo livro)
No Museu de Arte Sacra, em São Paulo, estão expostas duas imagens provenientes dessa igreja: uma de São Bento e outra de São Sebastião. São excelentes demonstrações do alto valor artístico de nossa antiga igreja. Essa igreja foi demolida porque sua estrutura apresentava rachaduras. Pena que ela não tenha sido simplesmente restaurada como foi feito com a Igreja de Santa Rita, de Itu.
Se isso tivesse acontecido, ainda hoje contaríamos – não só com mais um templo católico – como também com uma das mais belas obras de arte religiosa de nosso passado: a igreja de N. S. do Monte Serrat com seu lindo interior todo dourado, lindas imagens e belíssimo altar.

ARRANHA CÉU EM SALTO
O comendador Armando Barcello foi o pioneiro na construção de arranha-céu aqui no Salto.

A GRUTA DA CASCATA
Depois de terminada a revolução de 1932, numa manhã, o povo de Salto acordou assustado com  tiro de canhão. Ninguém sabia o que estava ocorrendo. Mas não demorou muito e toda a cidade ficou sabendo: a gruta da cascata havia sido dinamitada.
Houve muita reclamação da população. Todos achavam que não havia motivo para tal destruição.
Essa gruta ficava perto da cascata. Descendo da ponte Pênsil, sempre em linha reta existe uma escada. A gruta ficava entre essa escada e o teleférico, onde hoje se localizava o banheiro público.
Ela ficava de frente para o leitor do rio e era uma pedreira monumental que poderia ter uns 12 metros de largura por 5 de altura e 2 a 3 metros de profundidade. O que fazia a gruta parecer muito maior era a  enorme pedra que a cobria e se projetava para a frente formando uma enorme marquize. Essa cobertura era tão grande que abrigava as pessoas do sol e da chuva.
Aos domingos conjuntos musicais ali tocavam, em belíssimos espetáculos. Era também um dos lugares prediletos para servir de cenário para fotografias familiares ou de formatura do Grupo Escolar (Ver foto no Museu da Cidade).
Até o time de futebol do Ítalo Futebol Clube posou para uma foto histórica com essa gruta de fundo. Muitas famílias saltenses possuem cópia dessa foto e seria muito interessante que alguém a cedesse ao nosso Museu.
Dessa gruta não sobrou nada: foi toda destruída pela explosão da dinamite – não ficou pedra sobre pedra.
Na ocasião, o Castellari apresentou veemente protesto, dizendo que se praticara um crime contra a natureza: “Desmancharam uma obra de Deus.”

NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS
EM 1931, O Castellari resolveu fazer um loteamento na Vila Teixeira, em área  de sua propriedade. Feito o levantamento da área, demarcados os lotes, iniciou-se a venda dos terrenos. Mas o negócio não foi prá frente porque ele não conseguiu vender nenhum lote. O motivo foi muito simples: a escritura dos lotes ficava em “500 mil réis” e era muito mais cara que os próprios lotes.

A ONÇA
Este caso foi contado pelo “Dinho” filho do Antonio Pollo e eu transcrevo na íntegra: “- Na grande crise de 1929 apareceu onça aqui no Salto. Essa crise deixou muitas pessoas em dificuldades financeiras e alguns na miséria mesmo. As fábricas passaram a trabalhar apenas 3 dias por semana.
Mas, para a felicidade dos operários da Brasital, a fabrica cedi – de graça – terra para quem quisesse plantar. Isso era feito nas terras da Brasital que se localizavam na saída que ia para Itu. Meu pai e meu avô também fizeram lá uma pequena lavoura para melhorar a subsistência da família.
Um dia, quando iam subindo o caminho para a lavoura, uma enorme onça, na tocaia, percebeu que eles se aproximavam. Ela saiu correndo e pulou por cima do caminho na frente deles e sumiu no mato. Imaginem o susto que os dois passaram”.

O ALARME DAS XÍCARAS
Numa noite do ano de 1929, muitas pessoas acordaram com um barulho estranho em suas casas: nas cristaleiras, as xícaras tremiam e batiam umas nas outras sem que se soubesse a razão disso. Depois, portas e janelas também começaram a tremer. De muitas casas caía o reboque da parede e quadros caíam das paredes.
Todo mundo saiu apavorado para as ruas. Preces e promessas eram feitas. Ninguém sabia direito o que se estava acontecendo. O corre-corre foi grande. A população tomada de pânico não sabia o que fazer nem para onde ir. Só depois que a situação voltou ao normal foi que se esclareceu o ocorrido: a terra havia tremido por alguns momentos. Felizmente não houve vítimas e nem os estragos foram muito grandes. Depois a cidade voltou à normalidade. Ficou apenas uma assustadora lembrança.
O pitoresco deste acontecimento: naquela noite, alguns saltenses estavam no Clube Ideal jogando baralho. Nenhum deles notou qualquer anormalidade. Apenas no dia seguinte vieram tomar conhecimento do ocorrido.

PARA TIRAR O MEDO
Contava um antigo saltense:
“No passado eu morava lá no retiro e, quando chegava o sábado a turma de lá costumava ir até o Buru para jogar baralho, onde ficavam até tarde  da noite. Eu acompanhava os amigos mas, como eu não jogava, eu sempre queria voltar antes deles, mas não tinha coragem. Uma noite eu decidi: Hoje eu vou tirar esse medo. E resolvi voltar sozinho. Então, saí de lá mais cedo. Na estrada estava escuro, mas tudo normal. A uma certa altura eu quase pisei num curiango. Ele, assustado, voou por entre minhas pernas e deu aquele grito forte como é seu costume. Levei um tremendo susto e também gritei e saí correndo assustado, com o coração batendo. Que susto, Meu Deus”.

A BONDADE
Dna. Amélia das Chagas, ou “Tia Amélia” como era chamada, era uma fervorosa devota de N. Sra. Do Monte Serrat e uma daquelas antigas senhoras dotadas de alto espírito de bondade e de amor pelo seus semelhantes. Apesar de seus parcos recursos financeiros, ela costumava hospedar, em sua casa, certos mendigos que sempre batiam à sua porta à procura de pouso e comida por alguns dias. Sua extrema bondade chegou ao ponto dela adotar e cuidar permanentemente de uma idosa senhora, de nome Ana, que havia sido escrava e que, talvez em função de sua idade e das agruras sofridas durante a escravidão, sofria de algumas perturbações mentais. A ex-escrava Ana ali permaneceu até a sua morte, alguns anos depois. O féretro de Ana saiu da casa de Dna. Amélia.

A VISITA DE D. PEDRO II
Por 3 vezes o Imperador D. Pedro II visitou nossa cidade. A 3ª. Delas ocorreu em 31 de outubro de 1886, em companhia de sua esposa, a Imperatriz D. Thereza Cristina. Conforme descrição detalhada feita por Luiz Castellari em seu livro “A Historia de Salto”, a recepção ao monarca foi calorosa e festiva. Todo o trajeto a ser percorrido pelos Imperadores foi enfeitado com florões verdes e flores amarelas de Ipê, além de bandeirinhas e flâmulas auri-verdes. A tarde, o trem Imperial chegou à cidade sob o espoucar dos foguetes e acordes do Hino Nacional executado pela Banda Musical Saltense. Terminada a recepção protocolar, os Imperadores embarcaram na carruagem que os aguardava. O entusiasmo do povo era tanto que desatrelaram os cavalos e carruagem foi puxada pelas pessoas até a fabrica a ser inaugurada.
A Banda Musical Saltense acompanhava o cortejo com seus músicos devidamente uniformizados com calças brancas, paletós pretos, uma rosa branca na lapela e instrumentos com topes de fitas auri-verdes (conforme narrativa do sr. João Francisco das Chagas, músico da Banda).

OS IMIGRANTES
O bom humor e o espírito alegre sempre foi ma característica de um conhecido e saudoso imigrante italiano, que durante muitos anos manteve seu armazém aqui em Salto. Dele era esta historieta que sempre contava com lagrimas de saudades nos olhos (apesar de seu fundo humorístico);
“Quando moços, ele e seu irmão decidiram imigrar para o Brasil a fim de “fazer a América” como se dizia na época, ou seja, trabalhar a fazer fortuna aqui no Brasil.
Sua mãe não se conformava com a idéia da aventura e chorava muito de tristeza da eminente separação dos filhos. Eles bem que procuravam confortá-la acenando com os sonhos de fortuna e breve regresso. Mas nada adiantava. Mesmo depois de se fixarem aqui no Salto, recebiam cartas de suas irmãs dando conta da continuidade da tristeza e das lágrimas de sua mãe.
Suas irmãs foram então aconselhadas a procurar uma famosa vidente (que lá existiam muitas) para tentar consolá-la com alguma boa previsão.
A vidente, consultando sua bola de cristal disse:
“- Não se preocupe com o futuro de seus filhos. Até os 40 anos eles terão que lutar muito mas ainda serão pobres.”
A saudosa mãe antevendo uma boa previsão disse ansiosa: “então quer dizer que depois eles vão voltar ricos?”.
Ao que a vidente respondeu: ”-Não. Depois dos quarenta eles se acostumarão a ser pobres”.
E a pobre mãe voltou a chorar desconsolada...

O SUSTO COM A LUA
Um antigo saltense, cujo nome vamos manter no anonimato, contou-me o seguinte caso:
“Certa vez, já tarde da noite, montando minha besta eu voltava para casa, por uma estradinha ladeada por muitas capoeiras.
A certa altura a besta começa a mexer muito com as orelhas: sinal de perigo à frente. O que me fez suspeitar da presença d algumas fera. Logo depois a mula empacou. Eu, que já havia percorrido mais da metade do caminho, mesmo assustado resolvi seguir em frente.
Apeei e comecei a puxar a mula pelas rédeas. De repente, olho para a frente e vejo um homem parado ao lado de uma árvore. O susto foi grande. Naquele lugar e numa hora daquelas só podia ser um malfeitor pronto para me atacar. Assustado perguntei o que ele queria, mas ele nada respondeu. Aí começou o pior. O homem se escondia para logo em seguida aparecer, mostrando só a metade do corpo ou só a cabeça, como que preparando o bote.
Mesmo tremendo tomei coragem. Saquei meu revólver e, resoluto, resolvi enfrentá-lo. Avancei e, quando cheguei bem perto qual não foi a minha surpresa ao constatar que o “tal malfeitor” não passava da sombra do luar provocada por um galho da árvore que o vento balançava e, conforme seu movimento dava a impressão de um homem se movendo.
Desenxavido, guardei a arma, montei a mula e segui meu caminho.
Porém eu garanto, susto igual eu nunca passei”.

A ONÇA DO BURÚ
Um outro antigo sitiante contou-me:
“Até o ano de 1910, quando eu vim morar aqui no Salto, havia muita onça lá pros lados do Burú. Próximo da antiga capela, ao lado da “venda do turco” havia um mangueirão de bois. Logo após alguma chuva, era comum a gente encontrar marcas das patas de onça no chão de barro.”

O ROLO DE CASCAVEL
Henrique Castellari contava o que foi um doa maiores sustos de sua vida: na época ele trabalhava na carpintaria da fábrica de papel, onde era comum aparecer muitas cobras-verdes, que ninguém matava porque não eram venenosas e ainda serviam para caçar ratos.
Certo dia, quase no fim da jornada de trabalho, de sua banca de marceneiro caiu uma ferramenta no chão. Ele abaixou-se para apanhá-la e, que susto: embaixo da banca havia uma enorme cascavel toda enrolada (formando um grande rolo). Veja o perigo: se, durante o dia alguma coisa tivesse assustado a cascavel ela fatalmente teria atacado a sua perna. “Foi Deus que me guardou” dizia ele.

O PRIMEIRO OCULISTA
Aquele imigrante italiano que contava a história da vidente, narrava também esta:
“Eu fui o primeiro a vender óculos aqui em Salto. Quando eu vim da Itália, eu era ainda moço e viajava para São Paulo onde comprava uma cesta cheia de óculos. Então eu separava os tipos “para longe” e “para perto” e saía a vendê-los pela cidade. Quando alguém se interessava pelos óculos “para longe” ia experimentando até encontrar um que servisse. Aí eu dizia – é deste que você precisa. Se a necessidade era “para perto”, eu dava uma revista para o freguês e ele ia experimentando os ósculos até encontrar um que lhe permitisse ler ou ver bem as figuras da revista.
Eu sempre vendia os óculos certos sem necessidade de oculistas”.

A CASCATA
Antigamente, quando a cascata estava cheia. Ela era bem mais bonita do que a de hoje. A queda d’água ia até em baixo da ponte Pensil. Para comprovar basta ver o quadro a óleo da cascata, do pintor Flávio Pretti, que está na Prefeitura.

FUTEBOL
Salto teve muitos futebolistas de destaque que ninguém mais esquece. Dentre eles, o Amadeu Mosca e o Paulim Monari.

A LUZ ELÉTRICA
O saltense que acendeu a primeira lâmpada elétrica foi o sr. Manoel Quadros, conhecido como Nequinho da Luz. Nos primeiros segundo d dia 7 de setembro de 1907, o Nequinho subiu numa escada e acendeu a primeira lâmpada elétrica de Salto, no Largo Paula Souza, hoje praça 16 de junho. A Banda Musical Saltense executou o Hino Nacional. Seguido por todas as autoridades presentes, o Nequinho foi acendendo todos os postes da rua da Matriz até a Igreja. Só depois disso os habitantes de Salto puderam acender as lâmpadas de suas casas. Estava inaugurada a luz elétrica em Salto.




A MULHER BARBADA
Entre os anos de 1922 e 1924, Salto recebeu a visita da mulher barbada. Ela se apresentava no antigo Salão do Cine Verdi, com um vestido bem decotado para não deixar duvidas quanto ao seu sexo.
O pitoresco era que todos os que a viam eram levados a testar a veracidade de sua barba puxando-a.

PROPAGANDISTA
Antigamente existia em salto um tipo muito curioso: o divulgador ou propagandistas de eventos. Ele, devidamente fantasiado conforme o evento, saía às ruas para promover espetáculos de circo, touradas, cinema, festas e etc. e era acompanhado pela criançada que, alegremente e com grande algazarra, ia respondendo aos seus refrãos. Um desses refrãos, de que ainda me lembro era assim:
- Pisei na copa do meu chapéu.
- Moça bonita não entra no céu.
- Pisei na copa do meu chapéu.
- Moça feia não entra no céu.
- Pisei na copa do meu chapéu.
- Mulher faladeira não entra no céu.

A DANÇA DOS TANGARÁS
O castellari contava que, em 1931, ele fez o trabalho de medição do “mato do Liberatore”, hoje a Fazenda da Brasital. Era uma mata virgem onde havia muitos animais como onça, porco do mato, capivara, paca, veado, quati, tatu e etc., além de grande variedade de aves.
O que mais chamou a sua atenção foi a “dança dos tangarás”. Tangará é uma espécie de passaro do tamanho de um sanhaço. Eles dançavam de três em três: a fêmeas ficava no meio e um mancho de cada lado. Sua dança é interessante: o passaro que estava à direita da fêmea pulava por cima dela para o lado esquerdo e o outro macho fazia a mesma coisa pulando da esquerda para a direita e ambos sempre cantando. Repetiam esses pelos várias vezes até que a fêmea começava a cantar e a bater as asas. Logo em seguida os três levantam vôo e iam embora.

O CÓRREGO DO AJUDANTE
Interessante a origem do nome “Córrego do Ajudante”. Como sabemos, esse córrego fica num pequeno vale e, no ponto em que está a estrada do Burú, ele é ladeado por terreno íngreme nas duas margens.
No passado, quando chovia muito, os carroceiros que vinham do Burú tinham dificuldade em subir a ladeira depois de cruzar o córrego. Por isso, eles esperavam que chegasse mais algum colega e então pediam ajuda; tiravam, todos os burros da carroça que vinham atrás e atrelavam na carroça da frente e assim, podiam vencer a subida em direção à cidade até encontrar terra firme. Depois, tiravam os burros dessa carroça e atrelava-nos naquela que ficara entes de cruzar o córrego. Na volta para o burú usavam o mesmo expediente. Daí veio o nome “córrego do ajudante”.

O COMETA QUE NINGUÉM VIU INTEIRO
Foi muito comentado o aparecimento do Cometa Halley no ano de 1910. Ele foi visto aqui em Salto, mas apenas uma parte da sua calda (o que frustou muita gente). Minha mãe tinha, naquela época, 29 anos de idade e ela contava que apareceu um grande clarão no céu e ninguém sabia bem o que era aquilo. Só depois ficaram sabendo que se tratava da cauda de um cometa. Quando escurecia, via-se o céu estrelado através da cauda.
Aqui em Salto, havia um farmacêutico italiano que contava que, na Itália, o cometa havia sido visto por inteiro. Naquela época ele era ainda moço e viu por inteiro “a estrela e a cauda”.

O CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA
Salto também participou das primeiras comemorações do 1° Centenário da Independência do Brasil, em 1922, através da Banda Musical Saltense.
O Maestro Castellari foi à São Paulo com a Banda, que teve brilhante atuação ficando classificada entre as melhores Bandas do Estado de São Paulo.
Ela foi muito aplaudida e elogiada pela imprensa Paulista. Os jornais da época que registraram o fato fazem parte do arquivo do nosso Museu.
A Banda recebeu muitos elogios também do Major Antão que era o maestro-regente da famosa Banda da Força Pública do Estado de São Paulo.

MENINOS DE RUA
A maior tristeza que eu senti na vida foi assistir, há muitos anos atrás, um menino pedindo esmolas na rua. Isso ocorreu na esquina da rua 9 de julho com a rua Paissandu (hoje Rua Rui Barbosa). Naquela época a rua 9 nem tinha calçamento. Eu era um menino ainda e cursava o grupo escolar.
Eu estava assistindo alguns garotos que jogavam fubeca. Aproximou-se um menino maltrapilho e desesperado pedindo algum dinheiro. Os garotos não tinham nada para poder atender o pedido. O menino dirigiu-se a mim pedindo a esmola e contou que morava num quartinho no meio do mato, perto da Estação,  e que seu irmãozinho menos estava chorando de fome e de vontade de comer feijão. Como sua mãe não tinha dinheiro, mandou que ele saísse às ruas para pedir esmolas e conseguisse algum dinheiro para matar a fome do irmão.
Como eu tinha algum trocado no bolso e, condoído pela história, dei uma moeda para o menino. Ele logo entrou no armazém e comprou o feijão tão desejado. E saiu correndo e pulando de alegria indo lá para os lados da Têxtil. O menino pareceu-me um anjo voando no meio da cerração até desaparecer da vista.

OS PALHAÇOS DO CIRCO
Ainda hoje ecoam na minha lembrança os cantos dos palhaços de circo. São considerados pessoas alegres e brincalhões, mas muitas vezes eles carregam dentro de si muitas mágoas e tristezas.
Basta lembrar de uma trova que eles cantavam:
“Nasci tão pobrezinho, sem amor e sem carinho,
sem um bercinho para dormir
Nasci, talvez, chorando,
Mas quero morrer cantando,
Que o palhaço vai subir lá nas nuvens do céu”.

Mas têm também seu lado alegre:
“O raio de sol suspende a lua”
E a molecada respondia:
“Olha o palhaço que está na rua”
“Hoje tem goiuabada?”
“Tem sim senhor”.
“Hoje tem marmelada?”
“Tem sim senhor”.
“E o palhaço o que é?”
“É ladrão de mulher”.



SALTO ESTÁ EM CIMA DE UMA MINA DE OURO

1°) O livro “A História de um Rio, o Tietê”, diz que no ano de 1720, os Bandeirantes da cidade de São Paulo, vinham catar ouro no Salto de Ytu, na embocadura do rio Jundiaí com o Tietê, uns 500 metros acima.
2°) Vem a ser na Cachoeira das Lavras.
3°) A Cachoeira tem esse nome, porque era lá que os Bandeirantes vinham com as bateias cheias de terra, e era lavada, para separar o ouro da areia.
4°) Castellari dizia que não compensava catar ouro lá, porque era de pequena quantidade.
5°) Os antigos moradores que trabalhavam na Usina das Lavras contavam que sempre vinha gente de São Paulo para procurar ouro lá. Vinham com carros velhos e não demorava muito tempo eles voltavam com carros novos.
6°) Quando a cachoeira estava com pouca água, eu atravessei para o outro lado da cachoeira: eu vi no barranco, do outro lado, um buraco de mais ou menos 2,50 metros de profundidade por 1 metro de altura.
7°) Eles procuravam os buracos para ver se foram os Bandeirantes que cavaram muitos buracos que tinha lá. Eles foram feitos antes de construir a Usina. Eles fizeram esses buracos para ver a profundidade do Terreno e se tinha umidade.
8°) Eu peço para o Turismo de Salto fazer uma pesquisa: cavarem buracos ao lado da cachoeira e nos barrancos por ali, para ver se achavam um veio grande de ouro, mais para fins turísticos.



O GRANDE SUSTO

“O Caçador ia atrás do macuco e a onça ia atrás do caçador”.
Esta historia foi assim contada pelo Octavio Andreassa:
“Eu fui caçar no sertão de piedade e, chegando lá fui conversar na Cerraria da Fazenda. Eu fui alertado para ter muito cuidado com uma onça grande que andava por lá e que já havia matado diversas criações da fazenda. Eu ouvi tudo o que eles disseram.
Depois eu subi a serra por uma picada, piando como o macuco, mas eles não respondiam. No alto da serra havia uma vertente que cruzava a picada. Olhei bem por ali mas não vi nenhum rastro de animal. Andei mais uns 20 metros e decidi voltar. Quando cheguei de novo na vertente levei um grande susto. A onça acabava de atravessar a vertente deixando as marcas de suas quatro patas enormes. Eu engatilhei a espingarda, e desci a picada muito assustado, pensando que ela podia me atacar.

Resolvi não caçar mais e vim embora.

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Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966