27 de outubro de 2010

A antiga Rua de Campinas

A atual Rua 9 de Julho, num passado remoto, era popularmente chamada de Rua ou Estrada de Campinas, pois cortava a então pequena vila de Salto de sul a norte, desembocando na estrada rumo a Campinas. Oficialmente, chamou-se Rua 15 de Novembro desde a Proclamação da República até 1910, quando seu nome foi alterado para Rua Ruy Barbosa, em referência a um dos políticos brasileiros de maior destaque no início do século XX.

Em junho de 1935, um ato do então prefeito de Salto, Lafayette Brasil de Almeida, trocando o nome de algumas ruas centrais da cidade, rebatizou a popular Rua de Campinas como Rua 9 de Julho, em alusão à Revolução Constitucionalista de 1932. A Revolução de 32 foi um movimento armado ocorrido no Estado de São Paulo que tinha por objetivo a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas, no poder desde 1930, e a promulgação de uma nova Constituição para o Brasil. Foi uma resposta dos paulistas à Revolução de 1930, a qual acabou com a autonomia desfrutada pelos estados brasileiros durante a vigência da Constituição de 1891.

Ao longo de sua história, a Rua 9 de Julho figurou sempre como uma das principais vias públicas de Salto. Comércios tradicionais situavam-se ao longo desta via, tais como bares, casas de secos e molhados, a primeira delegacia e cadeia e as primeiras farmácias da cidade. A Rua 9 era também o trajeto rotineiro dos cortejos fúnebres, que a subiam em direção ao Cemitério da Saudade, na Vila Nova.

Trecho inicial da Rua 9 de Julho, 1940.
Já o espaço que marca o início da Rua 9, o Largo Paula Souza, foi um dos primeiros logradouros públicos de Salto a ser batizado, em meados do século XIX. Trata-se de uma homenagem a Francisco de Paula Souza e Mello (1791-1851), político ituano durante o Império, com projeção no cenário nacional. De fins do século XIX até 1946, o Largo abrigou um coreto. Foi ao redor dele que a população saltense se reuniu para comemorar o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, como pode ser visto em foto.

Festa em comemoração ao fim da II Guerra Mundial, no Largo Paula Souza, 1945.

Coreto do Largo Paula Souza, c.1935.
Esse mesmo local abrigará em breve, após a remodelação do Largo Paula Souza, o Monumento aos Taperás – marco que fará alusão a um dos símbolos de Salto – as aves denominadas taperás. Parentes próximas das andorinhas, essas aves de coloração pardo-acinzentada e peito e abdome brancos eram abundantes especialmente nas imediações da cachoeira que dá nome ao nosso município, e faziam das fendas das pedras existentes às margens do rio Tietê seu local de repouso. Viajantes europeus do século XIX mencionaram em seus livros a existência de grande quantidade dessas aves, que foram gradativamente afastadas pela poluição no final do século XX.

Sob um painel, a ser instalado brevemente no Largo, se encontrarão preservados exemplares dos ladrilhos que compunham a calçada dos primeiros quarteirões da Rua 9 de Julho (deste Largo até a Avenida D. Pedro II), que foram fabricados pelo industrial italiano, radicado em Salto, Biággio Ferraro. Os ladrilhos são à base de cimento, cascalhos de granito vermelho de Salto e pedras de fundo de rio rachadas à força de marteladas. Datam de 1931, época em que era prefeito de Salto o major José Garrido, responsável também pelo calçamento dos primeiros quarteirões da Rua 9 de Julho com paralelepípedos.

7 de outubro de 2010

A rua que Salto perdeu

Quem hoje vê o portão principal do centro universitário que ocupa os prédios da antiga Brasital, ao lado de uma das torres, não se dá conta que ele é o marco da apropriação de um espaço público por particulares. Isso ocorreu há mais de um século, à época que a tecelagem instalada naquele espaço levava o nome de Societá per l’Esportazione e per l’Industria Italo-Americana, ou simplesmente, Sociedade Ítalo Americana. Era ela a sucessora das duas tecelagens pioneiras instaladas no último quarto do século XIX, adquiridas pelo ítalo-judeu José Weissohn e por ele repassadas a essa multinacional que já contava com diversos investimentos na América do Sul. Estamos falando da mítica Rua do Porto e do seu trecho que deixou de ser público e foi incorporado ao patrimônio da Ítalo Americana.

José Weissohn
A rua em questão – para situar nosso leitor – é a atual José Weissohn, que se inicia na Praça Antônio Vieira Tavares (Largo da Matriz) e termina na Rua 9 de Julho (antes denominada Rua de Campinas). O nome Rua do Porto, que vigorou na primeira década do século XX, foi dado pois a via pública se alongava até as margens do rio Tietê, terminando num trecho conhecido por Porto das Canoas, nas imediações da Ilha Grande, então chamada Ilha do Padre. Tratava-se de um caminho bastante utilizado pelos moradores de Salto – uma localidade que começava a crescer especialmente pela chegada de um grande contingente de italianos, atraídos pelo trabalho nas tecelagens locais, que abandonavam as fazendas das regiões de Itu e Campinas, após enfrentarem um primeiro momento de exploração por parte dos cafeicultores paulistas.

Rua do Porto no século XIX
A importância do referido trecho da Rua do Porto que ia do Largo da Matriz até as margens do rio se dava por dois motivos principais: era um acesso a um local com fartura de peixes e também local de retirada de areia, necessária para as construções de uma cidade que via sua população e o número de novas edificações crescerem num ritmo acelerado. A colocação de um muro pelos industriais, impedindo o acesso, agravou um desentendimento que não era novo. Por cerca de três décadas, desde a época da instalação das fábricas pioneiras, uma série de conflitos foram travados entre as fábricas que se instalaram na margem direita do rio Tietê e os pescadores de Salto. Há registros, inclusive, de tiroteios entre esses pescadores e os prepostos dos industriais, que encaravam as incursões dos pescadores como invasão de propriedade privada, mesmo oficialmente não sendo.

A paz ocorreu a partir de um acordo firmado entre a Câmara Municipal de Salto e a Societá Italo-Americana. Pelo acordo, de 1910, a Câmara cedeu à indústria o referido trecho da rua, que passou a fazer parte de seu patrimônio. E a indústria, em troca, se comprometeu a instalar uma ponte metálica que daria aos pescadores acesso ao Porto das Canoas – eis a Ponte Pênsil. Além disso, se comprometeu também a construir um mirante em local privilegiado, de onde se pudesse contemplar a cachoeira – o que de certa forma foi dificultado desde a instalação, junto à queda d’água, da fábrica Fortuna, de José Galvão.

Finalizada em 1913, a ponte em aço e madeira, com 75 metros de extensão, proibiu definitivamente o acesso ao Porto das Canoas por meio da Rua do Porto. Desse modo, pescadores, visitantes e demais moradores que desejassem ter acesso ao trecho do rio abaixo da cachoeira deveriam obrigatoriamente contornar os prédios das fábricas e passar pela Ponte Pênsil, balançando sobre a margem direita do rio Tietê. Durante muitos anos a manutenção da ponte coube à Brasital – que desde 1919 tornou-se a proprietária da Ítalo Americana. Hoje a ponte figura como atrativo turístico de Salto, prestes a completar seu centenário. Até bem pouco tempo atrás era possível ver uma placa, logo na entrada da ponte, que proibia a pesca a 200 metros, tanto abaixo como acima, da cachoeira – e avisava sobre uma multa aos infratores (vide imagem).

Placa que existia na Ponte Pênsil
Os terrenos da Sociedade Ítalo Americana se estendiam até a propriedade da família Arruda Castanho, que hoje vem a ser o Jardim Três Marias. Na época, boa parte dessa área era de mata virgem. E a divisão entre os terrenos era feita por meio de um valo profundo, por onde corria a enxurrada. Esse valo, encoberto e desapropriado aos Arruda Castanho pelo poder público municipal, corresponde à atual Rua 24 de Outubro – via pública que já se chamou Antônio Melchert, em referência ao industrial que instalou a Fábrica de Papel do Salto, em 1889. Apenas perdeu esse nome em 1985. Popularmente, a via ficou conhecida como Rua dos Pescadores, ou ainda, Rua São Pedro – em virtude de ser um novo acesso ao Porto das Canoas. Essa nomenclatura se aplicava apenas ao trecho compreendido entre a Rua Joaquim Nabuco e a margem direita do rio Tietê. Assim, a abertura desse novo caminho, somado à Ponte Pênsil, foi a maneira encontrada pela Câmara à época de resolver a questão e fazer cair no esquecimento, ou legalizar, a apropriação empreendida pelos industriais aqui instalados. A ponte instalada há poucos anos, denominada Ponte dos Pescadores, justifica seu batismo por esses fatos.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966