26 de novembro de 2008

A creche da Brasital

O prédio no qual hoje está a Secretaria da Cultura e Turismo, na esquina da Praça Antonio Vieira Tavares com a Rua José Weissohn, foi originalmente concebido para abrigar a creche da Brasital S/A, indústria têxtil situada a sua frente, da qual muito já falamos em colunas anteriores.


Fachada do prédio da creche da Brasital por volta de 1950, ainda com um terraço.

Fundada em 26 de fevereiro de 1948, por iniciativa do engenheiro Giuseppe Bianchi – procurador da Brasital naquela época – a creche destinava-se exclusivamente aos filhos dos operários da empresa. As atividades iniciaram-se em 21 de abril do mesmo ano. Por muito tempo a creche foi dirigida por freiras vindas de São Paulo e pertencentes à ordem das Filhas de São José – que está em Salto desde a instalação do colégio Sagrada Família em 1936. Eram elas as responsáveis por cuidar das crianças enquanto as mães trabalhavam.


Primeira turma de crianças, 1948.


É costume dizer que a creche funcionou como um jardim da infância da cidade numa época em que essa modalidade escolar ainda não existia aqui. De início, freqüentavam o espaço crianças entre dois meses e sete anos. Por volta de 1950, cerca de 120 crianças filhas dos operários da mantenedora eram assistidas naquele prédio.

Às mães era permitido sair do serviço por alguns minutos, durante o expediente, para se dirigirem ao lactário da creche a fim de amamentarem seus filhos. Outras crianças eram alimentadas por mamadeiras preparadas pelas próprias freiras. Às maiores era preparado mingau e sopa. E um pediatra consultava três vezes por semana as crianças que estivessem doentes


Berçário, 1952.


A partir de 1969, com a reorganização de seu sistema de assistência social, a Brasital limitou o atendimento a crianças com até três anos de idade. Em 1975, deslocou em definitivo a assistência para um de seus chalés, o que durou até quando foi vendida, em 1981, ao Grupo Santista. Em dezembro de 1986 o prédio que serviu como creche da Brasital durante 27 anos foi desapropriado pela municipalidade e em 1991 foi cedido ao INSS, que lá permaneceu por alguns anos.

12 de novembro de 2008

A lenda do tesouro do Salto de Ytu

Retirada de um batelão das águas do rio Tietê.
Ilustração de Wasth Rodrigues presente no livro História do rio Tietê, de Mello Nóbrega.

Até algumas décadas atrás, na área compreendida entre o porto Góes e o antigo traçado da linha de trem da FEPASA, eram nítidos os sinais de escavações em busca do tesouro do rio Tietê. Com o passar dos anos, tanto esses vestígios como o conhecimento da lenda por parte das novas gerações se apagaram.

Em Salto, a partir da cachoeira, o rio Tietê corre por entre muitas pedras até as imediações da Ilha Grande, onde se apresenta calmo. Nesse remanso, ao sopé da colina na qual está a rocha Moutonnée, estaria o porto Góes (ou porto do Góes). Existem indícios de que tal porto foi ponto de partida alternativo de algumas expedições rumo a Cuiabá – as monções. Alternativo pois tinham como local de partida preferencial o porto de Araritaguaba, a Porto Feliz dos dias de hoje. O mesmo raciocínio se aplica quando do retorno de Cuiabá, tendo-se o porto Góes como local de desembarque. Percorrer a distância entre porto Góes e Araritaguaba por água – em que pese a existência de pequenos trechos encachoeirados – teria suas vantagens, em especial o menor tempo gasto para se chegar a vilas como Itu, Parnaíba ou São Paulo.

As monções eram expedições de transporte de pessoas e mercadorias diversas – tais como mantimentos, ferramentas, tecidos, armas e munição – além do ouro extraído das minas descobertas nas primeiras décadas do século XVIII. E era esse ouro o carregamento principal das viagens de retorno. Em algumas ocasiões, tocaias foram armadas com o intuito de subtrair o ouro carregado por monçoeiros. E foi em torno de uma situação dessas que se constituiu a lenda do tesouro do Salto de Ytu.

Tendo a informação de que um grupo de batelões subia o rio Tietê com o intuito de alcançar o último remanso antes da cachoeira, um numeroso grupo de homens se pôs a esperar por eles na região em que o ribeirão Guaraú, afluente da margem esquerda, deságua no rio Tietê. Apesar do ataque surpresa, o enfrentamento teria durado dias – tempo suficiente para que o carregamento de ouro fosse enterrado entre uma pedreira e outra, dentre as tantas existentes naquele terreno. Contudo, passados alguns dias, os expedicionários recém-chegados foram derrotados, sendo dizimados por completo, acredita-se.

A lenda do tesouro do Salto constituiu-se a partir desses elementos, embora não se saiba se o grupo vencedor localizou ou não o ouro enterrado; ou mesmo se alguns expedicionários do grupo derrotado teriam escapado e retornado tempos depois para recolher o produto da viagem a Cuiabá, estrategicamente escondido. O que persiste é que o tesouro, uma vez enterrado, ainda possa estar em algum local nas imediações do porto Góes...

Quadrinhos elaborados em 2008 para um equipamento disponível no Memorial do Rio Tietê, em Salto.

Escola Anita Garibaldi

Desde a primeira década do século XX, Salto contou com escolas mantidas pela colônia italiana. A primeira delas denominava-se Dante Alighieri. Nesse período, Francisco Salerno, Othelo Donato e Leone Camerra se destacaram enquanto docentes.

Na década de 1920, a Escola Dante Alighieri passa a se chamar Anita Garibaldi, em referência à companheira brasileira de Giuseppe Garibaldi, guerrilheiro italiano conhecido como “herói de dois mundos”, por conta de sua participação em revoluções tanto na América – caso da Farroupilha, no Rio Grande do Sul – quanto na Europa.

Em sua origem, a escola voltava-se para a difusão da língua e da cultura italiana, à luz da ideologia fascista, com o governo italiano, sob o comando de Benito Mussolini, enviando o material didático, como livros de História e Geografia, dentro dos programas de propaganda patriótica para italianos residentes no exterior.

Mantida pela indústria têxtil Brasital, a Escola Anita teve como diretor e professor, de 1931 a 1968, João Baptista Dalla Vecchia. Trajando terno jaquetão azul marinho, camisa branca e gravata azul; figura austera e apaixonada por seu ofício, podia-se mesmo dizer que “ele era a escola, a escola era ele”.

Em 1934, Rosanna Turri foi agregada à Escola, permanecendo longo período ao lado do professor Dalla Vecchia. As imagens que seguem, tomadas em 1996, mostram a professora rememorando um poema que ensinava aos alunos, em língua italiana.

Neste momento, as imagens que vemos, do final da década de 1930, mostram os alunos da Escola Anita percorrendo a Rua José Galvão, tendo ao fundo a Casa D’Italia, onde funcionava a escola; e se exercitando, acompanhados pelos professores Dalla Vecchia e Rosanna Turri.

A Escola Anita era um estabelecimento de ensino complementar. Atendia, normalmente, aos egressos do curso primário do Grupo Escolar Tancredo do Amaral que ainda não tinham idade suficiente para ingressar no mercado de trabalho. As vagas nessa escola eram disputadíssimas, especialmente numa época em que Salto não possuía estabelecimentos de ensino com classes que fossem além da quarta série.

Além do currículo normal, o professor Dalla Vecchia ministrava aulas de música, língua italiana, religião, ginástica e caligrafia. Esta, por sua vez, constituía-se numa marca dos alunos que a freqüentassem: era a caligrafia do Dalla Vecchia, a caligrafia da Escola Anita.

Ao final da década de 1960, a Escola Anita perdia sua razão de ser. Salto já contava com novos estabelecimentos de ensino, que agora ocupavam um espaço que, antes, era por ela suprido. Com a última turma, formada há 40 anos, aposentava-se o velho mestre Dalla Vecchia, aos 72 anos.




João Batista Dalla Vecchia [1896-1981]

Professor da Escola Anita Garibaldi por 37 anos, João Batista Dalla Vecchia nasceu em Itu, em 1896. Filho de italianos, aos 8 anos de idade mudou-se com sua família para a Argentina, e, dois anos mais tarde, para a Itália. No início de 1914, pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, os Dalla Vecchia retornaram ao Brasil, e João Batista ingressou na Brasital, ali trabalhando até 1931. Nesse ano, recebeu um convite para lecionar na escola mantida pela empresa. De início, João Batista centralizava todasas funções: era diretor, professor, secretário e bedel. Poucos anos depois, passou a contar com o auxílio da professora Rosanna Turri, com a qual trabalharia lado a lado até 1968, quando do encerramento das atividades da escola.

Além de professor, Dalla Vecchia foi assíduo colaborador da paróquia de Nossa Senhora do Monte Serrat e de seu vigário, o padre João da Silva Couto [1887-1970], ajudando-o em várias empreitadas. Foi um dos diretores do Ítalo Futebol Clube, na década de 1920. Por muitos anos, foi músico da Corporação Musical Giuseppe Verdi, sendo, em seguida, um dos fundadores e regentes da União Musical Gomes-Verdi, que surgiu em 1939. Na política, foi vereador de 28 de maio de 1936 a 30 de janeiro de 1937 e de 1º de janeiro de 1948 a 31 de janeiro de 1951, data em que renunciou ao cargo. Também foi vice-prefeito na gestão de Vicente Scivittaro, entre os anos de 1960 e 1963.

6 de novembro de 2008

Uma imagem, um casamento, um incêndio

Nas últimas décadas do século XVIII, o açúcar constituía a base econômica da região de Itu. Grande parte da população tinha suas atividades ligadas à produção e ao comércio desse produto. Nas ocasiões de grandes secas, que tantos prejuízos causavam com incêndios nos canaviais e demais lavouras, a imagem da Nossa Senhora do Monte Serrat era conduzida em procissão até a Igreja Matriz de Itu, onde ficava até que viessem as primeiras chuvas. Quando isso ocorria, a imagem era reconduzida à capela de onde havia saído, no povoado de Salto de Ytu.

Em fins do século XVIII, o padre ituano João Leite Ferraz, senhor muito rico e devotado a Nossa Senhora do Monte Serrat, encarregou-se de restaurar a capela original a ela dedicada, construída em 1698. Achava ele que a imagem primitiva que ali se encontrava era “pequena e sem estética”, e por isso desejava substituí-la por outra “majestosa e digna de admiração”.

Passava-se o ano de 1797 quanto o moço de nome Francisco de Paula Leite de Barros se apresentou ao padre solicitando sua intercessão, já que era seu desejo casar-se com Maria Joaquina de Campos, da qual o padre era tutor e amigo da família.

Por esse favor, o padre Ferraz achou que o pretendente deveria pagar-lhe em penitências, e para isso disse ao jovem que fosse até a beira do tanque do Sítio Grande, no bairro do Piraí, e de lá trouxesse um tronco de cedro “de muito boas águas”. Assim o jovem pretendente fez, entregando o tronco no largo da Matriz de Itu, após enormes esforços.

Não contente, o padre solicitou ao jovem que buscasse na vila de Parnaíba, atual cidade de Santana de Parnaíba, um santeiro de fama na época, o mulato cativo de nome Guilherme. Dias depois o jovem Paula Leite trouxe o santeiro para que esculpisse a imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat. Daquele tronco sairiam ainda, pelas mãos do mesmo artista, duas outras imagens: São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora do Rosário, ambas ainda hoje existentes na Matriz da Candelária, em Itu. Estas três imagens podem ser chamadas de “imagens irmãs”, já que foram esculpidas da mesma tora e pelo mesmo artista.

Mais de um século depois, na noite de 18 de janeiro de 1935, um curto-circuito na instalação elétrica da Igreja em reformas, na cidade de Salto, na parte que funcionou como Matriz provisória, provocou o incêndio que destruiu a imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat entronizada em 1797. Naquela trágica noite, as chamas já tomavam conta do altar-mor quando populares tentaram salvar a imagem, sem contudo obter sucesso. Na manhã seguinte, após exame pericial da polícia, foi encontrado entre os escombros um pedaço de madeira carbonizada: era a cabeça da imagem incendiada.


Três imagens esculpidas pelo santeiro Guilherme: N.S. do Rosário, N.S. do Monte Serrat e São Miguel Arcanjo.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966