27 de fevereiro de 2009

Dr. Henrique Viscardi (1858-1913) - parte 1

Figura que desde 1930 dá nome a uma importante rua de nossa cidade, o médico italiano Henrique Viscardi nasceu em 1858 na cidade de Milão. Sua biografia pode ser dividida em três momentos principais: vivência na terra natal, passagem pela África e permanência no Brasil, especificamente em Salto. Este último momento, que se iniciou em 1902, será abordado apenas na próxima semana.

Uma importante fonte de informação a respeito de sua trajetória foi extraída de uma publicação especial do jornal Fanfulla, editada em 1906 e intitulada “Il Brasile e gli Italiani”. Trata-se de uma compilação especial que aborda a participação de italianos no desenvolvimento do Brasil, com mais de 1200 páginas, em grande formato. Na página 1036 encontramos alguns dizeres sobre o doutor Viscardi e uma fotografia.



Essa fonte menciona que Viscardi formou-se médico pela Universidade de Pavia, na região da Lombardia, em 1883. No ano seguinte, em virtude de um surto de cólera que se alastrou por toda a península itálica, atingindo com maior intensidade Nápoles, ao sul, o jovem estudante se inscreveu na equipe de Felice Cavallotti, político e poeta italiano, e foi em socorro aos doentes daquela região. Em 1886 consta que já dirigia um lazareto destinado aos acometidos pelo mal da cólera. Esses seus primeiros trabalhos lhe renderam duas medalhas destinadas a beneméritos da saúde pública italiana. Por essa mesma época, na biografia de Costantino Lazzari [1857-1927], socialista lombardo, disponível na internet, encontramos menções ao envolvimento de Viscardi como um dos membros mais ativos e dispostos [“più attivi e più volonterosi”] da Lega Socialista Milanese.

No contexto da política expansionista européia do final do século XIX, a África representava um grande território além-mar a ser conquistado. O rei italiano Umberto I, já tendo feito um ensaio de colonização na Eritréia, lançou-se numa guerra contra a Abissínia (atual Etiópia), pleiteando o controle de novas áreas. Essa pretensão italiana culminou na Batalha de Adwa, em 1896, na qual os etíopes surpreenderam o mundo ao derrotar a potência européia e permanecerem independentes sob o reinado de Menelik II. Nesse conflito, Viscardi havia se engajado como capitão-médico. Ao final da mencionada batalha foi ele quem chefiou a equipe de médicos que cuidou dos 300 prisioneiros que tiveram ou um pé ou uma mão amputados pelos etíopes antes de serem libertados.

Ao retornar à Itália, Viscardi foi condecorado com medalha alusiva aos serviços prestados no campo de batalha. Passou os últimos anos do século XIX como médico no Ospedale Maggiore di Milano. Casado na Itália, sabe-se que Viscardi deixou lá dois filhos. Em 1906, Bruno, o mais velho, era Oficial da Marinha; e Mario estudava agronomia em Brescia. Na biografia de Lazzari, os filhos e esposa de Viscardi também são mencionados num trecho de documento do final do XIX que atesta, ainda, a estreita relação entre o socialista e o médico: “(...) l'amico dott. Viscardi andato in rotta con sua moglie, mi propose, dal momento che io amavo tanto i bambini, di allevare i suoi due figliuoli, Bruno di 6 e Mario di 3 anni. Accettai con entusiasmo e da allora in poi la nostra casa con la presenza e colle cure per quei due cari ragazzini fu un vero teatro di festa e di gioia!”

20 de fevereiro de 2009

Velha guarda

O periódico saltense O Liberal – fundado em 7 de setembro de 1949 – interrompeu sua circulação durante alguns meses em 1952. Na última edição, a de 7 de março, eram seus diretores-redatores Archimedes Lammoglia, Mario Dotta e Paulo Miranda Campos. No retorno em 17 de agosto daquele ano, era o diretor responsável Joaquim A. Sontag e, como diretor secretário, figurava o já citado Lammoglia. Poucas mudanças estruturais ocorreram. O editorial “Ser Saltense”, que sempre aparecia em letras garrafais na primeira página, foi mantido – bem como o bordão “Órgão semanário independente para defesa dos interesses de nossa Terra e de nossa gente”.

Nessa edição de retorno, um dos articulistas, na coluna intitulada “Pessoal da velha guarda”, cita os trabalhos envolvendo o ressurgimento do jornal: “durante o tempo todo em que ‘O Liberal’ ficou sem circular, os seus interessados trabalharam dia e noite estudando possibilidades e traçando diretrizes a fim de que a nossa volta fosse assegurada”. E foi numa dessas reuniões que surgiu a idéia de se manter uma coluna que procurasse “reviver todo um passado que está quase morto na memória dos nossos varões mais velhos”. Assim sendo, na coluna “Pessoal da velha guarda” tentariam “descrever um pouco da vida de cada um [desses antigos habitantes], pontuando em evidência [sic] os mais interessantes fatos, personagens, costumes, tipos (...) da Salto de antanho”.

Na edição seguinte, o primeiro entrevistado foi Tibúrcio de Arruda Campos. O articulista leva a entrevista num tom alegre e com certa dose de comicidade. E assim apresenta o “primeiro elemento a figurar” na coluna: “soldado aposentado da Força Pública do Estado de São Paulo, que mesmo a despeito de receber Cr$ 1.270,00 mensais, anda de porta em porta a vender carvão”. Sobre a cidade do tempo em que aqui chegou, Tibúrcio diz que “Salto não passava de uma cidadezinha suja e esburacada, sem luz, sem comércio, sem água nem [coleta de] esgotos. As únicas coisas boas que possuía eram a Brasital e a Têxtil”. E faz um comentário sobre esta última: “Não sei quem era o dono, mas me recordo que pagava uma miséria a seus operários”. O entrevistado aproveita a oportunidade para desmentir comentários que eram feitos sobre ele há muito tempo: “Olha aqui. Dizem também que eu surrava presos e que ajudei a matar Alfredo Rosa [em 1911], acusado de roubar cavalos. Tudo isso é mentira. Nunca surrei ninguém e só matei uma pessoa na vida. Foi em São Paulo. Estava de serviço quando rebentou uma greve. Fui alvejado, mas felizmente não fui atingido. Armei a carabina e matei o grevista”, disse cabisbaixo e aparentando tristeza. Em determinada passagem, indagado sobre o espírito do povo saltense, queixa-se: “É o povo mais falador e venenoso que já vi na vida...”.

Na semana seguinte, a colunas trouxe como entrevistada Dona Rosalina Leal Nunes – possuidora de “gostos (...) dos mais modernos que se possa imaginar numa senhora de 80 anos”, pois adorava escutar novelas e assistir filmes. Sobre sua vivência em nossa cidade, relata em minúcias um acontecimento que presenciou em sua infância: “Nasci em Itu, mas vim muito criança para Salto. Aqui levei uma vida igual a de todas as crianças da minha idade. (...) Deveria ter uns 8 anos de idade quando D. Pedro II veio a Salto. Lembro-me do seu carro puxado por enormes cavalos, tendo à frente sua guarda pessoal formada por oficiais e soldados vestindo vistosos uniformes preto e vermelho de botões dourados e usando um boné cheio de plumas. Quando ele chegou a Salto, desceu da carruagem acompanhado por uma senhora manca [D. Thereza Christina, esposa de D. Pedro II]. Dirigiu-se à fábrica de José Galvão, que estava localizada onde hoje fica um dos depósitos da Brasital”.

Notas interessantes e valiosas como as transcritas são também encontradas nas semanas que se seguiram, nas vozes de Palmira Milanez, Domingos Lammoglia e Antonio Donatini, respectivamente. Após essas três semanas, sem qualquer justificativa, a coluna não mais figurou nas edições seguintes, dando fim a uma iniciativa muito interessante e lúcida de se registrar as memórias de antigos habitantes sobre a cidade que viram se desenvolver.

19 de fevereiro de 2009

No carnaval de 1970, um festival de música

A primeira edição do Festival de Música Popular de Salto – o FEMPS – foi considerada a novidade do carnaval de 1970 em nossa cidade. Organizado pelo casal Dr. Clineu de Mello Almada e D. Giselda, foram quarenta e oito as músicas inscritas, atraindo inclusive participantes de cidades vizinhas. A partir desse montante, realizou-se uma seleção preliminar a cargo de professores de música e de língua portuguesa. Mediante audição de todas as gravações que compunham o conjunto inicial saíram vinte finalistas. Essas, por sua vez, foram submetidas a um júri, cuja presidência coube a Odmar do Amaral Gurgel, o maestro Gaó [1909-1992].

Um caderno especial sobre o festival circulou junto à edição de 21 de fevereiro da Revista Taperá. Nele, as letras das vinte composições pré-selecionadas eram veiculadas. Dava-se, também, a notícia sobre a premiação. O primeiro colocado receberia, oferecido pela Sociedade Instrutiva Recreativa Ideal (SIRI), o “Troféu Zequinha Marques” – em referência ao músico saltense José Maria Marques de Oliveira [1890-1981]. Ainda, a verba de NCr$ 1.000,00 – repassada pela Prefeitura Municipal – seria utilizada pela comissão organizadora para premiação dos outros participantes. Os equipamentos utilizados no festival foram cedidos pela “firma Tranquilo Giannini, por intermédio de seu diretor comercial, Edmar Mesquita”, que forneceu “caixas de som, microfones e outros aparelhos”.

Na apresentação do dia 21, comandada por Terezinha Effori e Edmur Sala, “tudo funcionou perfeitamente, tanto no que tange à organização, quanto no que se refere à efetivação do espetáculo, propriamente dita”. Um pequeno atraso – nota pitoresca – ocorreu por conta de “um desarranjo mecânico no carro que transportava um dos membros do júri, vindo de Itapetininga”. O articulista da mencionada revista ressaltou ainda o respeito e o bom comportamento do público presente, “o que serviu para revelar que o povo saltense tem noção de que o papel da platéia é de saber receber com palmas, com silêncio ou com apupos uma ou outra canção, sem, porém, agredir ou desrespeitar os autores ou apresentadores”.

As músicas concorrentes levavam os seguintes títulos: Pedido; Muié veiaca; Prece ao sol; Canto; Giro ou circunvolução; Luaréu; Modinha; Abra a porta, Maria; A espera; Amor triste; Antifuga n.º 1; Balada para o soldado desconhecido; Samba tropical; Seca; Se você voltar; Serenata vazia; Terra querida, Salto; Sozinho; Rosa, poesia, poema; Consolo.

Nem o júri, nem o público sabiam quem eram os autores das músicas e letras interpretadas, pois os inscritos deveriam utilizar pseudônimos, sendo os nomes dos mesmos depositados à parte, em envelopes lacrados que seriam abertos naquela noite. O critério adotado no julgamento foi a atribuição de notas de 1 a 5 (associadas aos adjetivos ótima, boa, regular, má e péssima) nos seguintes quesitos: qualidade da música, originalidade da música, qualidade da letra, originalidade da letra, comunicação e interpretação. Assim, a classificação final se deu pela média das notas.

Dentre os saltenses participantes do festival, seja como autor de letra ou de música, figuram os nomes de Manoel Paiva, Maria Cristina Lobo, Archimedes Lammoglia, Salem Varella, Hilário Alfredo Gonzáles, Aparecido Rangel, Matilde Camargo, Egydio Miguel, Marcelo Culatre, Sérgio Carvalho e Waldomiro Tavernari – estes dois últimos autores de "Terra querida, Salto", cuja letra era:

Viver numa terra feliz
Dizer com orgulho e bem alto
Com o prazer de quem diz
Nasci nesta linda terra, Salto

A natureza é linda
Pra nós também foi gentil:
Sua alegria é infinda
Porque Salto é um rincão do Brasil

Terra de trabalho e beleza
Seu filho presta homenagem
Guardando em sua riqueza
Mantendo a sua paisagem

Ouvindo a sua cascata
Um hino de fé e de amor
Mantendo em sua riqueza
A bênção do Senhor


Na capa da edição de 28 de fevereiro da Revista Taperá figurava uma fotografia do autor da letra e composição vencedora ao lado dos interpretes da mesma. Tratava-se do saltense Manoel Paiva, premiado por "Giro ou circunvolução", e de Cristina Lobo, Matilde, Speroni, Terezinha, Victor, Zé e Sandra – intérpretes. Abaixo, segue a letra vencedora:

Gira que esta gente gira
Que esta gente gira a mão
Gira que o mundo gira
E vocês não mudam não

Gira a máquina do tempo
Que vocês precisam mudar
Gira que sonhando sempre
Tudo irá ficar

Pois a roda gira, gira
Pela avenida na central da vida...
(BIS)

Giramos todos, pois somos um giro
Quem gira na roda
Não pára não

Girem pela evolução
Pois é uma questão
De opinião

Girem pelo espaço afora
Pra mudar agora é uma questão de hora

Pois a roda gira, gira
Pela avenida na central da vida...
(BIS)

Girou no espaço sideral
O pião da vida na rosa da mão
Girou o filho gerado do giro espacial
O tiro girando não parou não

Girou o moinho
Girado pelo vento
Minha vida é um giro sem amor e paz

Girou o mundo sem um lamento
Que gire agora quem for capaz

13 de fevereiro de 2009

Alfredo Rosa

Na tarde de 27 de julho de 1911, uma quinta-feira, ocorreu em Salto um episódio que transformaria um simples matuto – como muitos o definiram – em uma figura venerada por muitos saltenses da primeira metade do século XX, que o tinham por milagreiro. Embora não se tenha segurança sobre sua verdadeira identidade, a memória popular acabou por nomear Alfredo Rosa o sujeito que fora assassinado em Salto na data mencionada.


A única foto de Alfredo Rosa existente, tirada quando já estava morto.

A então Salto de Ytu contava com não mais de cinco mil habitantes, muitos deles vivendo na zona rural. Assim, era comum que muitos sitiantes viessem para cá, normalmente aos sábados, para realizar suas compras nos vários armazéns de secos e molhados que existiam na região que hoje chamamos de centro velho. Um deles, o de Marcos Milani, situava-se no Largo da Matriz, na esquina em que se instalou a Creche da Brasital em 1948. O espaço era zona de trânsito dos muitos trabalhadores da Società Italo-Americana, que desde 1904 era a proprietária do complexo têxtil instalado à margem direita do rio Tietê.

Naqueles meses de 1911 a cidade vivia atemorizada, em alerta diante dos freqüentes furtos de animais que vinham ocorrendo. Há certo tempo, o sujeito a quem chamaram Alfredo Rosa – que supostamente vivia em algum sítio na divisa entre Salto e Elias Fausto, para além do Buru – não era visto por aqui. Embora fosse figura já conhecida por alguns saltenses que o viam regularmente fazendo pequenas compras e tomando sua cachaça, naquela quinta-feira ele pareceu, para muitos, suspeito: estivera durante certo tempo parado ao lado do armazém-pensão de Marco Milani. E isso, possivelmente, foi um indício para que os trabalhadores que saíam da Italo-Americana e outros moradores das imediações passassem a observá-lo.

Enquanto subia em seu cavalo, e notando ser vítima dos olhares desconfiados de várias pessoas, Alfredo Rosa, assustado, largou tudo e se pôs a correr. Foi o que bastou para que os homens que o observavam, muitos deles operários, saíssem no seu encalço aos gritos de “pega-ladrão!”. Dava-se, naquele instante, a associação entre os recentes furtos de animais e a figura de Alfredo Rosa.

A perseguição ocorreu por cerca de dois quilômetros em direção ao Cemitério Velho – atual Praça XV – e descendo rumo ao córrego do Ajudante, onde havia uma ponte. Se conseguisse atravessá-la, provavelmente Alfredo Rosa não seria alcançado, pois se embrenharia no meio do mato. Diante da iminência de ver o sujeito que tinham por ladrão fugir, os perseguidores de Alfredo Rosa começaram a disparar tiros. Assustado, o matuto parou diante de todos e se disse inocente. Contudo, não houve perdão e o pobre matuto foi morto a tiros. Algumas fontes mencionam que houve linchamento. Em seguida, alguns populares arrastaram o corpo pelas ruas de Salto, desde o local do assassinato até a casa que funcionava como delegacia e cadeia, na então Rua de Campinas, atual 9 de Julho.

Tempos depois, restabelecida a calma, foram descobertos os verdadeiros ladrões de cavalos. Então a cidade viu que trucidara um inocente. Talvez numa tentativa inconsciente de compensar o erro, muitos saltenses passaram a venerar a memória de Alfredo Rosa. Inclusive uma capela foi erigida no local de sua morte (foto abaixo) – construção que existiu até 1973, na antiga chácara Vendramini, precisamente onde hoje funciona a APAE. Já os restos mortais de Alfredo Rosa constituem um capítulo à parte, pois foram transferidos de local três ou quadro vezes num período de menos de 70 anos, estando hoje na perpétua 3038 do Cemitério da Saudade.

A capela de Alfredo Rosa na chácara Vendramini.

2 de fevereiro de 2009

Uma Festa de São João na Roça


Henrique Castellari em São Paulo, 1922.

O programa para 25 de fevereiro de 1923 anunciava, para o Campo do Ítalo [Futebol Clube] “profusamente adornado e iluminado”, às 7 horas da noite em ponto, o “grande concerto” que seria promovido pela Banda Musical Saltense. Estariam presentes na ocasião “os maestros Capitão Joaquim Antão Fernandes, da Banda da Força Pública do Estado, e Savino de Benedictis, do Conservatório Dramático Musical de São Paulo, autor do poema “Centenário”; maestros do interior e representantes da imprensa paulistana e da vizinha cidade de Itu”. Tudo isso pois, pela primeira vez, seria executada “a peça descritiva, da lavra do maestro Henrique Castellari [1880-1951], sobre costumes regionais, e de caráter religioso, intitulada: Uma Festa de São João na Roça”. Informava-se ainda que tomariam “parte em sua execução mais de 100 figuras”, sendo os fogos de artifício, confeccionados “pelo hábil pirotécnico Snr. Urbano Pedroso da Silva”, “queimados pelo Snr. João Fernandes”.


Fragmento do programa no qual são nomeadas as 27 partes integrantes da peça.

Noutro panfleto, espécie de divulgação do trabalho do maestro Castellari, no que chama de “origem da composição”, a peça é descrita de forma bastante simples e coloquial – num esforço em justificar e sintetizar em poucas linhas sua criação, talvez. Abaixo, segue a transcrição desse panfleto, na qual tão somente atualizamos a ortografia das palavras:

“O que é a peça Uma Festa de São João na Roça:

Festa de São João, na roça: Quanta poesia, quanta recordação saudosa nos acode em tropel à alma atribulada. É a festa por excelência feita da simplicidade rústica dos campos, cheia de poesia bucólica e que por isso mesmo mais nos encanta nesta quadra de esnobismo balofo. Nesse sentido, rememorando isso tudo é que foi feita a peça UMA FESTA DE SÃO JOÃO NA ROÇA. O seu tema é o seguinte: Na fazenda do Capitão X. há uma grande festa de São João. Para maior brilho, duas bandas foram contratadas. O Maestro reúne os músicos da 1ª Banda e partem rumo da estação [sic] e ali, à espera da saída, para matar o tempo, a Banda soluça uma ‘Valsa de espera’, música terna, chorosa, que fala à alma, um suspiro de amor, como aliás são todas as valsas. E o trem chega, silvando a locomotiva, entrechocando engrenagens, válvulas abertas... um barulho ensurdecedor, apitos do chefe, gritos dos passageiros, um charivari, tudo imitado por músicos e instrumentos. Súbito, notas alegres: é um ‘Dobrado’ e o trem parte. Na estação próxima outra banda espera. Chega o trem. O seu ruído característico, estrugem foguetes e a outra banda irrompe numa fantasia alegre, saudando a colega. Desembarque do trem e rumo da fazenda em troles... guizos e relhos, imitados por instrumentos se ouvem em sons estrídulos. Um sexteto, ‘o sexteto da farra’, faz ouvir uma mazurca e ao longe o eco sonoro vai reboando pelas quebradas. Eis a fazenda: Foguetes pipocam, cães que latem, vivas que estrugem, entusiasmo, delírio e a Banda ingressa na casa do festeiro. A 1ª Banda toca uma música lenta, e bebidas generosas escaldam os cérebros, o entusiasmo cresce e a Banda executa um repenicado tango, bisado a pedido. À tardinha, o maestro, grato ao festeiro, organiza um concerto..., diversos trechos musicais se ouvem, chovendo palmas, campeando a alegria e em meio à hilaridade geral o Géca [sic], cofiando os ralos fios de barba, exclama sincero : ÊTA MUSGA BOA, MEO DEOS, SINSINHÔ: ISTO QUE É MUSGA.

Pouco depois a tradicional usança do levantamento do mastro com a Bandeira de S. João. E piedosamente a romagem sai da casa do festeiro e ali no terreiro alteia a imagem d’aquele que trará felicidade à fazenda, o divino São João. E por entre fogos de bengala a 4 cores, repiques de sino, foguetes e toque de música, surge a imagem do ‘Pregoeiro do Jordão’! Acaba a cerimônia e o ‘sanfoneiro da zona’ chora as suas mágoas... é a primeira banda que com instrumentos caracterizam [sic] o ‘típico’ instrumento.

Chega a noite e com ela a reza. A banda se ouve imitando o órgão da capela na ladainha e a outra representa o povo... canto chão, amém, ladainha, tudo pelos instrumentos... Finda a reza... Um canto dolente e triste: É o cururu, o desafio dos violeiros, a viola geme, e, pedida licença ao Santo e coberto ele com um pano, o povo folga, diverte... é o rodeio, o cateretê, o racha-pé, o bate-mão e numas toadas dolentes umas 60 pessoas trazem à baila os descantes de São João. E o folguedo vai no auge... nisso o galo canta, é madrugada, o folguedo cessa... é hora de lavar São João. E a piedosa usança, em que muita moça esperou ver refletido na água em que se banhou o santo, o retrato de seu futuro FUTURO, começa então longa fila. São João à frente, procissão solene, à luz de candeias, lá vão em demanda do rio. A Banda entoa a marcha religiosa, foguetes, morteiros espoucam e sinos repicam. Súbito uma descarga de bateria e a Banda irrompe num dobrado 6/8 alegro. É a procissão que entra... e vivas estrugem e salvas e a velha Quitéria num arroubo de piedade dá um viva ao Santo. Voltam à casa, prosseguem as danças. O festeiro dá sinal, os folguedos cessam, a festa se acaba e os músicos regressam... guizos, estalos de relho e os troles sulcam a estrada rumo da estação, ao som de uma buliçosa schottischs. E o trem parte, pressão de vapor, chio de válvula, apitos, e uma valsa ‘apaixonada’: a valsa da saudade denota a recordação da festa. E o trem chega e uma música alegre, um ‘até a vista’ vem relembrar os doces momentos da tradicional ‘Festa de São João na Roça’.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966