29 de abril de 2009

O casal Segabinazzi

A cidade de Salto foi palco de uma forma específica de tratamento da ciática durante mais de 80 anos. E o casal de italianos Doralice e Giuseppe Segabinazzi são considerados os pioneiros nessa prática. Ao chegar aqui no início do século XX, os Segabinazzi montaram uma pensão, na atual Rua José Galvão, próxima da antiga estação ferroviária.

Casal Doralice e Giuseppe Segabinazzi, déc. 1910


Poucos anos após a chegada, Giuseppe, o marido, passou a sofrer de contínuas dores, que inclusive impediam-no de andar. Tratava-se de dor ciática. Essa dor geralmente sente-se desde a parte posterior da coxa até a parte posterior da panturrilha, e pode se estender aos quadris e aos pés.

Embora tentassem, os médicos de Salto não conseguiram aliviar o sofrimento do marido de Doralice. Esta, então, decidiu recorrer a uma forma de tratamento com a qual tivera contato na Itália, em sua cidade natal, quando auxiliou um médico que combatia a dor ciática utilizando determinada erva. Doralice, então, incumbiu um amigo, seu conterrâneo, de buscar algumas mudas de tal erva na Itália. Após algum tempo, o amigo trouxe, a bordo de um navio, três caixas com uma dúzia de mudas da erva cada uma. Replantadas, aqui se aclimataram bem.

De posse da erva que combatia a dor ciática, Doralice pôde preparar o ungüento para aliviar a dor do marido. E sob a supervisão do dr. Enrico Viscardi, médico italiano radicado em Salto desde 1902, curou outras pessoas afetadas pelo mesmo mal. Muita gente para cá se dirigia a fim de se submeter ao tratamento milagroso daquele casal de italianos, que hospedava seus pacientes no hotel de sua propriedade e em outras pensões da cidade.

Ao final da década de 1920, estando Giuseppe e Doralice já falecidos, o tratamento da ciática teve continuidade com uma das filhas do casal, Palmira, que se casou com João Milanez. A prática foi perpetuada por um dos filhos do casal João e Palmira – Luiz Milanez – que desde os 12 anos já auxiliava no trato dos pacientes, estendendo esse trabalho até o início da década de 1990. Nesse período, para Salto se dirigiam, a fim de tratar do mal da ciática, gente de diversas regiões do Brasil, de alguns países do continente americano e até mesmo do Oriente Médio.

João Milanez e sua esposa Palmira, déc. 1930.


Luiz Milanez e Matilde Telesi, 1957.


Grupo de pacientes de João Milanez, 1938.


Grupo de pacientes de João Milanez, 1938.

Paciente de ciática num leito, sendo cuidado por João Milanez, 1939.

24 de abril de 2009

A antiga maternidade

No prédio hoje ocupado pelo Atende Fácil, por cerca de 30 anos, funcionou a primeira maternidade de Salto. As salas, hoje ocupadas pelos mais diversos segmentos da administração pública municipal, eram quartos, nos quais nasceram milhares de saltenses.
Em meados da década de 1940, era assunto corrente entre a população de Salto a necessidade de o município possuir sua maternidade. Em 1946, organizou-se uma comissão encarregada de realizar os primeiros estudos com o fim de se construir o prédio. Assim, a comissão criada passou a receber as primeiras doações em dinheiro.
Discutia-se, naquele momento, qual seria a localização ideal para o estabelecimento. Dentre as diversas propostas, vingou aquela que situava a maternidade atrás do Grupo Escolar Tancredo do Amaral, em área adjacente ao então Posto de Puericultura, existente desde 1950 na esquina da Rua Prudente de Moraes com a Rua José Revel. Outra entidade, a Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e Infância de Salto, criada em 1953, deu novo fôlego à iniciativa e, em 1º de maio desse ano, lançou a primeira pedra do prédio. Para isso, o presidente da Associação e então prefeito de Salto, Vicente Scivittaro, alienou vários bens do município, como terrenos e um veículo, para que as obras não sofressem interrupções.


Vicente Scivittaro foi por duas vezes prefeito de Salto, de 1952 a 1955 e de 1960 a 1963.
A maternidade foi finalmente inaugurada em 04/09/1955, com 24 leitos. E a população saltense lotou suas dependências, abertas para visitação nesse dia. Batizada de Maternidade Nossa Senhora do Monte Serrat, em homenagem à Padroeira da cidade, era considerada, à época de sua criação, “orgulho da mulher saltense”. A Associação ficou à frente da maternidade até 1967, quando passou para o controle da Prefeitura.


Fachada da antiga Maternidade quando de sua inauguração, 1955.
O custo total da obra foi de dois milhões de cruzeiros, gastando-se com a manutenção da maternidade cerca de 40 mil mensais. Boa parte do mobiliário foi conseguido através de doações. Existia, sobre a porta de cada quarto, o respectivo nome do doador. Foram eles: Luiz Biffi, José R. Escanho, Octávio da Rós, Alberico de Oliveira, José Frantini, José M. Servilha, D. Alzira Leal Nunes e as famílias Donalísio e Milioni.

Enfermeira Joana Fidêncio na pediatria, 07/09/1974.

16 de abril de 2009

Luiz Castellari



Por diversas vezes o livro História de Salto (Gráfica Taperá, 1971) foi mencionado neste espaço. Contudo, somente agora trazemos alguns detalhes sobre o seu autor, Luiz Castellari. Nascido em Salto em 17 de abril de 1901 (se estivesse vivo, completaria amanhã 108 anos), era filho do maestro Henrique Castellari [1880-1951] – figura sempre presente neste espaço e que dá nome ao Conservatório Municipal – e Luiza I. das Chagas Castellari. Luiz faleceu com menos de meio século de existência, em 1º de agosto de 1948, e seu corpo foi sepultado no Cemitério da Saudade. Casado com Santina S. Castellari, foram seus filhos: Norma, Hercules, Ludovico e João Francisco. O penúltimo foi quem doou ao Museu da Cidade de Salto os originais do livro e da pesquisa original, com todas as notas tomadas por seu pai, em diversos arquivos. Tais textos, embora publicados há 38 anos, por iniciativa do então prefeito, Jesuíno Ruy, foram concluídos ainda em 1942 – seis anos, portanto, antes de falecer seu autor. Luiz muito se esforçou por publicar sua pesquisa, sem obter sucesso, contudo.



Ao longo da vida, Luiz sempre esteve atento aos problemas de sua cidade natal, tendo destacada vivência social e artística. Era bastante ligado às atividades musicais – gosto possivelmente herdado de seu pai – e militou na Corporação Musical Saltense por muitos anos. Em 1927, sendo integrante da Orquestra Itaguassu, participou da fundação da Sociedade Instrutiva e Recreativa Ideal – SIRI. Foi nessa mesma década que começou a se interessar pela história de Salto. Iniciou então um apaixonado trabalho de garimpagem de fontes históricas das mais diversas. Visitou arquivos em busca de referências históricas – como o Museu Paulista, o Museu Republicano de Itu, o Instituto Histórico e Geográfico e a Cúria Metropolitana de São Paulo. Vasculhou vasta bibliografia sobre o período colonial e imperial, especialmente, sempre em busca de fragmentos que tratassem de Salto. Ainda, entrevistou antigos moradores locais e seus descendentes diretos. Consultou atas e livros da Igreja Católica. 

Luiz foi, sem dúvida, o maior responsável pela descoberta e divulgação de muitos documentos importantes para a história local – especialmente os do final do século XVII e do início século XVIII, envolvendo a figura do fundador Antonio Vieira Tavares e seu testamento. O historiador assim justificava seu intento, parafraseando “um grande filósofo”: um povo sem história é um povo morto. E ia além: “sobre esses pensamentos filosóficos é que tomei a deliberação de compor este modesto livro, e não é meu intento apresentar uma obra histórico-literária, mas a verdadeira história de Salto, para que o povo da minha terra ressurgisse dentre aqueles que a filosofia considerava mortos”. 

Nesse trabalho de garimpagem, dentre o já mencionado material doado ao Museu por um dos filhos de Luiz, existem diversas correspondências trocadas com o intuito de se levantar e confirmar detalhes sobre os mais variados aspectos do passado local. Por exemplo, em cópia de correspondência enviada por Luiz ao diretor do Serviço de Estatística da Previdência do Trabalho, datada de 1º de março de 1942, solicita: “Folheando a revista Careta de 24-5-1941, deparei em a página 46 uma narração sobre a indústria de papel no Brasil, o que muito me interessou, pois, estou escrevendo a história da Cidade de Salto e nela desejo incluir o que se refere às indústrias locais”. Já uma das cartas recebidas, cujo remetente, B. Nóbrega de Oliveira, escrevendo pelo diretor da Cúria Metropolitana de São Paulo, em 25 de agosto de 1941, informa: “Em resposta ao seu pedido de informações datado de 22 do corrente, comunico a V. S. o seguinte: A primitiva igreja de Salto de Itu, foi doada por Antonio Vieira Tavares e sua mulher Dona Maria Leite, fundadores da localidade, cuja escritura de doação traz a data de 11 de dezembro de 1700. A provisão de ereção da igreja data de 21 de outubro de 1695. Foi benta pelo padre Felipe de Campos a 16 de junho de 1698”. E talvez a correspondência mais significativa para o próprio Luiz Castellari fosse a que recebeu de Afonso d'Escragnolle Taunay, conceituado historiador que dirigiu entre 1917 e 1939 o Museu Paulista. Segue abaixo a reprodução da carta referida, na qual Taunay comenta o trabalho do historiador saltense:

Fragmento da carta de Afonso d'Escragnolle Taunay a Luiz Castellari, 09.12.1941.

9 de abril de 2009

Notas sobre Barros Júnior



Os dados biográficos do dr. Francisco Fernando de Barros Júnior [1856-1918], um dos industriais pioneiros em Salto nas últimas décadas do século XIX, foram levantados e sistematizados com minúcia por Luiz Castellari [1901-1948], autor de História de Salto, livro escrito em 1942 e publicado postumamente em 1971. Transporto para essa coluna alguns dos dados apresentados por Castellari na segunda parte de seus escritos, especialmente dedicada à figura daquele que seria cognominado “Pai dos Saltenses”, por conta de seus diversos préstimos aos habitantes daqui.

Filho de Francisco Fernando de Barros – senhor de engenho e produtor de cana – e Angela Guilhermina Mesquita Barros, o dr. Barros Júnior nasceu na então vila de Capivari, em 17 de março de 1856. Ao concluir seus primeiros estudos no Brasil – passando pelo Colégio São Luiz, de Itu, e Kopke, no Rio de Janeiro – partiu para os Estados Unidos, ingressando na Universidade de Siracusa (Syracuse University), com o propósito de se graduar engenheiro civil. Quando retornou ao Brasil, chegando em Itu em 1879, mostrou-se republicano convicto, assumindo posição de destaque no Partido Republicano de Itu. No mesmo ano se casou com sua prima-irmã, Maria Alexandrina de Barros.

Em 1880 Barros Júnior iniciou seus investimentos em Salto, com a construção de um edifício que funcionaria como tecelagem, que passou a operar em 1882, inicialmente com fios importados da Europa. Barros se sobressaiu mais como político que como industrial, sendo representante de um modelo típico do final do século XIX: político-fazendeiro-industrial. Seu pai já fora delegado de polícia em Capivari, sua terra natal. E um de seus irmãos mais velhos se elegera deputado provincial nos anos 1870.

A atuação política de Barros Júnior se iniciou nos anos 1882-1886, quando foi vereador em Itu – época que pleiteou diversos melhoramentos para a então vila do Salto. Entre 1892 e 1896, já sob o regime republicano de governo, foi deputado estadual pelo PRP (Partido Republicano Paulista). Barros Júnior deixava claro, desde seu retorno ao Brasil, quais eram seus objetivos: tornar-se um chefe político em Salto, aliando seus interesses como industrial e político do Partido Republicano Paulista (PRP).

Em Salto, Barros Júnior foi o responsável direto por algumas ações bastante significativas para a época: em 1880, reorganizou o Grêmio Musical Saltense, com caráter republicano; em 1885, criou o Gabinete de Leitura e Cultura Democrática; em 1887, fundou o Clube Republicano 14 de Julho; em 1888, fundou o jornal Correio do Salto, juntamente com Tancredo do Amaral. Aqui também o capivariano exerceu os seguintes cargos: subdelegado de polícia, intendente, presidente da Câmara e juiz de paz.

Naqueles seus anos iniciais em Salto, procurou auxiliar o recém-fundado Grêmio Musical Saltense, fundado em 1878, contratando um maestro – o ituano João Narcizo do Amaral – e comprando os instrumentos. Também admitiu alguns músicos em sua tecelagem, como operários. Em carta de 30/04/1940, o maestro Henrique Castellari [1880-1951], traz passagem sobre o Grêmio Musical e a participação decisiva do industrial pioneiro: “A Banda Musical Saltense foi fundada no ano de 1878, por um grupo de pessoas de boa vontade e vocação musical, quando Salto era ainda uma pequena povoação, com desenvolvimento incipiente. Foram seus fundadores Joaquim Florindo, Romão Ribas, João Manquinho, João de Assis e outros, todos já falecidos. Depois de 1880, mais ou menos, o benemérito saltense, Dr. Francisco de Barros Júnior, já falecido, ex-Deputado Estadual, proprietário de uma Fábrica de Tecidos nesta cidade, avocou-se a direção da referida Banda Musical. Assim, forneceu-lhe instrumental novo, músicas novas, mantendo o maestro João Narciso do Amaral (grande músico ituano), dando trabalho aos músicos em seu estabelecimento industrial e correndo todas as demais despesas da Banda por sua conta. Mais tarde, [em] 1890, referido industrial, vendendo sua indústria, afastou-se da direção da Banda, confiando todo o instrumental e pertences da mesma à guarda da Matriz local, (...)”.

Mas foi durante a epidemia de varíola de 1887, que atingiu toda a Província de São Paulo, que Barros Júnior notabilizou-se em Salto. Com seu auxílio, foram construídos três lazaretos (unidades de isolamento dos doentes, afastadas no núcleo central da vila). Auxiliou ainda na compra de medicamentos, víveres para alimentação dos doentes, roupas e leitos. Trouxe também médico e enfermeiras da capital. Luiz Castellari assim descreve a atuação do “Pai dos Saltenses” naqueles dias de surto epidêmico: “Nas horas em que não se ocupava com os enfermos, [Barros Jr.] saía na rua à frente de sua banda de música, soltando foguetes, como que afugentando o ‘vírus’ e assim alegorizar a população desolada”.

Na cronologia de Barros Júnior merecem ainda destaque duas datas: 1890, venda de sua fábrica de tecidos em Salto; e 1893, apresentação de projeto ao Congresso Estadual, que ampliava os limites de Salto, incorporando terras da margem esquerda do rio Tietê, antes de Itu. No ano do término de seu mandato como Deputado Estadual, segundo menciona Luiz Castellari, Barros Júnior teria “perdido seu cabedal”, ou seja, empobrecido: “De elevada posição social, a um humilde carreio, e arador de terra. Seguidamente vinha à Vila [de Salto], guiando seu carro de boi. De uma feita, estacionando em frente a uma casa comercial, pede ao proprietário um par de sapatão à crédito. Negam-lhe o pedido”. Barros foi o primeiro presidente do Conselho de Intendência de Salto [1890]. Entre 1896 e 1898, esteve ausente da 2ª Câmara de Salto, tendo retornado em 1899 e permanecido até 1907. Entre 1907 e 1918 não participou diretamente da política local. Em 1918, faleceu, aos 62 anos, de gripe espanhola. Ainda hoje seu nome está ligado à ideia de devoção às causas locais em Salto.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966