Lembro-me de uma em particular, redigida por Aristides Boni, que possuía um bar nas imediações da atual Concha Acústica. Pretendia ele que seu bar fosse autorizado a funcionar das cinco da manhã à meia-noite. Mencionava ainda não possuir funcionários, e que, portanto, não havia como ocorrer qualquer ilegalidade trabalhista com a concessão de um horário mais largo para que o seu estabelecimento se mantivesse aberto.
Entretanto, a carta que me despertou mais atenção não é do mesmo período e tampouco trata de situação semelhante. É uma carta manuscrita, datada de 1931. Nesta época, major José Garrido era o intendente em Salto – cargo equivalente ao de prefeito naqueles anos imediatamente após a entrada de Getúlio Vargas na presidência. É a ele, em específico, que a carta se dirige.
Superados os obstáculos iniciais de leitura e a constatação de que era a única daquele tipo e período presente no maço, constatei: tratava-se de um pedido de trabalho [un labor] de um cidadão de origem espanhola radicado há 32 anos em São Paulo, capital. Apresentava-se como um dos melhores jardineiros da cidade em que vivia e pedia uma oportunidade no jardim de Salto [um posto no gardin de seo mando]. Para isso, listava quais eram os trabalhos que era capaz de fazer, os quais transcrevo do original, com a mesma grafia incomum: faso gardies nobos, reformas, grutas, cascatas, repuchos para peses, bancos, pontes, basos e cualquier trabago a pedra ou semento almado emitando la propia naturalesa.
O jardineiro espanhol menciona ser chefe de família, alega ter em seu poder atestados que dão conta de sua honra e capacidade [mionradez i capasidade]. Termina com seu endereço, para onde devia o destinatário da carta dirigir-se caso desejasse: rua Bento Bicudo, número 2. Bairro da Lapa. E assina: seo criado, serbidor, Lorenso Fabre Jimenes.

Texto publicado na Revista de Salto - fev./2008