28 de fevereiro de 2008

O jardineiro espanhol

Folhando a correspondência recebida pela Prefeitura de Salto, na segunda metade da década de 1940, período em que era prefeito João Baptista Ferrari, me deparei com uma carta sui generis. Tal documentação está sob guarda do Museu da Cidade de Salto. Em geral, as cartas que li eram todas redigidas em folhas da mesma dimensão, a metade delas sendo datilografadas e com pedidos similares. Havia ainda a prática de inserção de um ou dois selos em cada uma. Boa parte delas era escrita por comerciantes saltenses da época, solicitando autorização municipal para que seus estabelecimentos funcionassem para além do horário comercial, por exemplo. Há também vários casos de professoras de escolas de Salto solicitando atestados que comprovassem o tempo de serviço por elas prestado, ou ainda, requerendo revisão salarial.

Lembro-me de uma em particular, redigida por Aristides Boni, que possuía um bar nas imediações da atual Concha Acústica. Pretendia ele que seu bar fosse autorizado a funcionar das cinco da manhã à meia-noite. Mencionava ainda não possuir funcionários, e que, portanto, não havia como ocorrer qualquer ilegalidade trabalhista com a concessão de um horário mais largo para que o seu estabelecimento se mantivesse aberto.

Entretanto, a carta que me despertou mais atenção não é do mesmo período e tampouco trata de situação semelhante. É uma carta manuscrita, datada de 1931. Nesta época, major José Garrido era o intendente em Salto – cargo equivalente ao de prefeito naqueles anos imediatamente após a entrada de Getúlio Vargas na presidência. É a ele, em específico, que a carta se dirige.

Superados os obstáculos iniciais de leitura e a constatação de que era a única daquele tipo e período presente no maço, constatei: tratava-se de um pedido de trabalho [un labor] de um cidadão de origem espanhola radicado há 32 anos em São Paulo, capital. Apresentava-se como um dos melhores jardineiros da cidade em que vivia e pedia uma oportunidade no jardim de Salto [um posto no gardin de seo mando]. Para isso, listava quais eram os trabalhos que era capaz de fazer, os quais transcrevo do original, com a mesma grafia incomum: faso gardies nobos, reformas, grutas, cascatas, repuchos para peses, bancos, pontes, basos e cualquier trabago a pedra ou semento almado emitando la propia naturalesa.

O jardineiro espanhol menciona ser chefe de família, alega ter em seu poder atestados que dão conta de sua honra e capacidade [mionradez i capasidade]. Termina com seu endereço, para onde devia o destinatário da carta dirigir-se caso desejasse: rua Bento Bicudo, número 2. Bairro da Lapa. E assina: seo criado, serbidor, Lorenso Fabre Jimenes.



Texto publicado na Revista de Salto - fev./2008

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