4 de setembro de 2009

As Festas de Setembro há 60 anos

No primeiro número do periódico saltense O Liberal, de 7 de setembro de 1949, lê-se na segunda página um texto assinado pelo já falecido advogado saltense, Mario Dotta [1925-2004], que descreve a atmosfera das festas setembrinas na cidade de Salto daqueles tempos. Passados 60 anos, transcrevo-a neste espaço, como documento de uma época:

As Festas de Setembro

Vésperas das festas de setembro. O burburinho aumenta no Largo Paula Souza e adjacências, à medida que se aproxima o grande dia. As barracas tradicionais se estendem sobre o Largo, festivamente, enquanto um microfone rumoreja ininterrupto as músicas de Vicente Celestino, ou um bolero moderno. De todos os lados o lufa-lufa intenso, a atmosfera festiva e o matracar incessante dos que querem vender quinquilharias. A barraca das baianas é infalível. Todos os anos a curiosidade me arrasta até ela. Fico a observar as pretas, nas suas indumentárias características, atarefadas com o “vatapá” famoso, nédias lustrando e bem dispostas, mostrando a dentadura alva, que o contraste aumenta o palor ainda mais.

E o parque de diversões, com seus danglers, cavalinhos de pau, roleta, tiro ao alvo; o tipo impassível de grandes bigodes e um vasto paletó xadrez, fumando calmamente um charuto de puro Havana... E suas mulheres dando o máximo de sua faceirice na conquista do povo aglomerado; com suas rodas gigantes girando sempre, noite e dia, incessantes como se fossem acionadas por essa corrente humana que não se cansa de torvelinhar; e a barraca da Igreja bem iluminada, recebendo o maior impacto da multidão; e a barraca dos vinhos de S. Roque, tão aromáticos e saborosos que convidam ao “cock-tail”...

E os “camelots” apregoando preço e qualidade, num palavreado insistente: − “O dono ficou louco, mandou vender barato.” E as bexigas esvoaçando numa vara comprida, que o sírio de nariz adunco oferece à gurizada. E os animaizinhos peludos, estendidos num tapete sobre o chão, saltitantes como se fossem reais, e que o vendedor oferece com voz intermitente: − “É barato de fato.” E o judeu de olhar mortiço, em cujos braços estão dependuradas gravatas de todas as cores, de todos os gostos...

Depois vem o final. Nem todos os finais são bons. Dona Maria reclama que encolheu o casaco comprado ao turco; Antonio derreteu as suas economias; e o compadre brigou com a mulher por causa da “girl” do parque... Só o judeu não reclama. E entre o povaréu que rodopia, que se comprime e avança, é talvez o único que fez planos para a próxima festa. – “Isto sim é festa!”

E foi naquele mês de setembro de 1949 que a cidade recebeu a notícia da morte de uma figura muito querida na comunidade saltense. Na edição do dia 18, sob o título de “Homenagem”, lia-se: “num setembro tão festivo, Salto derrama suas furtivas lágrimas: morreu o prof. Paula Santos (...) [que] nunca desaparecerá de nossa memória, suas palavras e ensinamentos passarão às gerações futuras.” Tal sentimento se justificava pelo fato de os fundadores e redatores do já mencionado jornal, que estava em seu segundo número, terem todos sidos alunos daquele que fora alcunhado Anchieta de Salto. Logo abaixo da notícia sobre a morte de Paula Santos, um texto intitulado “... e outros dias virão” traçava um panorama do fim das Festas Setembrinas daqueles anos, em tom poético, descrevendo a tradicional prática da queima de fogos:

É noite. No Largo principal da cidade aglomeram-se dezenas de pessoas para assistirem à espetacular queima de fogos, que encerra com chaves de ouro as tradicionais festas saltenses. No céu, as estrelinhas tímidas e curiosas espiam do firmamento aquela apoteose magnífica, formada por um conjunto de luzes, cores e ribombar de rojões. Aos poucos, porém, tudo vai se acalmando e dessa demonstração majestosa que constitui a queima de fogos, não resta senão as cinzas, que vão num gesto lânguido perder-se com o pó da terra ou na correnteza do Tietê. Depois vem o silêncio... O silêncio que traduz o término da festa, que nos acena num saudoso adeus... Aqui e ali perduram algumas alegrias e esperanças tardias, que vagarosamente perdem-se com o caminhar pausado dos ponteiros. E o Largo fica só, triste e abandonado (...).

Nenhum comentário:

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966