13 de fevereiro de 2008

Dizia o Almanach...

Trago abaixo a transcrição de um texto que faz parte do Almanach para o anno de 1896, de autoria de Francisco Gaspar. Insiro alguns poucos comentários entre colchetes. Na página 368, Gaspar inicia um panorama de Salto no final do século XIX. Trata-se da cidade incipiente, mas a primeira linha do texto já traz adjetivos que seriam carregados ao longo de todo o século seguinte por aqui, constituindo mesmo uma marca local, embora seja certo clichê. A apresentação de Salto segue o mesmo roteiro praticado para se falar de outras cidades no Almanach: geografia (como determinante), economia e sociedade. Curiosamente, o autor conclui com um simpático prognóstico.
Vila do Salto de Itu

Esta industrial e laboriosa vila dista da cidade de Itu 6 quilômetros.
O seu clima é o que pode haver de excelente. A sua topografia é especial; a vila colocada em um terreno alto e com sensível declive para os rios Tietê e Jundiaí, goza de uma salubridade muitíssimo rara.
As ruas são assim denominadas: do Porto, Boa Vista, Riachuelo, Itapiru, de Campinas, da Estação, da Ponte, 13 de Maio, 7 de Setembro e Monte Alegre. Os largos são: Paula Souza e da Igreja.
Uma preciosidade que a natureza proporcionou à vila do Salto foi a grande catadupa do rio Tietê que oferece aos passeantes [sic] o mais admirável panorama. É uma queda d’água tão alta e tão forte que o rio desse lugar a centenas de metros transforma-se em uma corrente caudalosa da mais alvejante espuma.
Para complemento do grandioso espetáculo que nos oferece a referida catadupa, vulgarmente chamada entre os saltenses de tombador [no nordeste brasileiro, tombador ou tombadouro é ainda usado, em alguns casos, para se referir a uma escarpa quase vertical num rio], existem nas suas proximidades grandes blocos de pedras onde pousam milhares de pássaros denominados taperás e que ao sair do sol voam em bandos e vão a longínquas distâncias regressando à tarde para a sua habitual pousada.
A vila do Salto possui quatro fábricas industriais, três de tecidos de algodão, que funcionam regularmente e uma de papel, que se acha fechada há muito tempo. Todas elas, a exceção de uma de tecidos de algodão, são movidas pela enorme força das águas do Tietê. Esse mesmo rio ainda dispõe de lugares onde poderão ser construídas novas fábricas movidas pelas águas.
A população sendo quase toda composta de operários não pode dispor de tempo para freqüentar clubes ou outras sociedades recreativas, entretanto, o Salto já teve um regular teatro, hoje fechado, algumas sociedades, e um gabinete de leitura [instalado pelo dr. Barros Júnior], dois jornais republicanos [em um deles colaborou Tancredo do Amaral]. A política saltense não é encampada, isto é, não se nota nos eleitores o péssimo sistema do vira-casaca [indivíduo que troca de partido ou de idéias, de acordo com as conveniências próprias].
A Câmara Municipal funciona em um prédio decente e novo, alugado mensalmente. Apesar de serem pequenas as suas rendas ainda não contraiu empréstimo de um real, nem recebeu até a presente data auxílio algum do governo.
A instrução tem sido distribuída por três escolas, duas do sexo feminino, uma diurna e outra noturna e uma noturna do sexo masculino, com avultada freqüência. A iniciativa particular muito tem contribuído para o bem da instrução.
O comércio é pequeno, contudo limpo e independente. No Salto os cometas [caixeiros-viajantes] não têm trabalho com os negociantes.
A lavoura é pequena, cultiva-se o café, a cana e o fumo.
Finalmente, a vila do Salto, há pouco freguesia, é servida pela linha Ytuana e está predestinada a ser no futuro um lugar importantíssimo.

Um comentário:

Rafael Barbi disse...

Muito bom Elton! Essas publicações são extremamente interessantes, principalmente quando há a possibilidade de comparar vários cronistas. Parabéns pelo post!

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966