26 de janeiro de 2009

Os rios da minha terra

Poema de Mario Dotta

Alma dos seres brutos, sinfonia
De rudes sons alçando o infinito,
Na cadência de grave melodia,
Em acordes de água e de granito.

Cedo aprendi a ouvir teus lamentos,
Os queixumes de estranha litania,
Essa reza feral dos elementos,
Esse grito pungente de agonia.

E me acompanhas, onde quer que esteja,
Em recolhimento, só, instrospectivo,
Reboando na pedra que poreja
Teu lamento incessante, aflitivo.

Antes, tuas águas claras, majestosas,
Polindo a rocha dura, submersa,
Rendilhada de espumas cor de rosa,
Arco-íris de bruma, luz dispersa.

Quando as cheias vinham, bem depressa,
Corria a ver o salto, rude e forte,
Em meus olhos guardei a imagem dessa
Incoercível força - vida e morte!

Tu agora rastejas, já sem viço,
Não rebrilhas ao sol, nem inspiras verso,
Tens o dorso de lama movediço
E em teu ventre, a escória do universo!

Alma dos seres brutos, eu pressinto
Esse lento pulsar de tua agonia,
No teu grito de angústia quase extinto,
Débil sopro de antiga melodia...

Quando, antes, à alva luzidia,
Em teu seio tormentoso refletindo
O céu azul na água que corria,
Como se a vida ali estivesse rindo.

Fitando o rio de águas fugidias,
Deixei fugir com ele a mocidade.
Correu o rio veloz, passei meus dias,
Só não deixei passar minha saudade.

Veio o progresso, a máquina, o detrito,
Titãs cruéis em fúria, conturbados,
Passou o tempo, não ouvi o grito
Desses dois rios morrendo envenenados!

Mudou tudo. Mudei, e lembro quando
Mil cardumes prateando a flor das águas
Refulgente nas ondas, se arrojando,
Nos alcantis, nas rochas e nas fragas.

Não vi o taperá fugir saudoso,
Nem da andorinha o pipilar ausente,
Só o silêncio de um rio moroso,
Morrendo envenenado lentamente!

Nem mais, além do salto, sobre a pedra,
Na haste em que fina e trêmula se apruma,
Esplender a flor vermelha que aí medra,
Vergastada de borrifos e de bruma.

Como era belo o salto, o coretinho,
Onde acorria o povo a ver o rio,
A piracema farta, o burburinho,
A teleférica suspensa a um fio.

Evoco à noite, o rio escachoando,
Ladainhas soturnas a rezar
Pela alma dos mortos e os levando
Em cortejo sinistro para o mar!

Velho rio, em cujo leito outrora,
Cavalgaram heróis, como Bartolomeu,
O que resta de tua pujança, agora?
Envelheceste tu ou envelheci eu?

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Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966