7 de julho de 2010

Maestro Castellari

Figura de grande destaque na cidade de Salto na primeira metade do século XX, Henrique (ou Enrico) Castellari nasceu em Parma, na Itália, em 27 de junho de 1880. Veio com seus pais para o Brasil a bordo do Aquitania, aportando no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1891. Sua família, por breve período, fixou-se na cidade vizinha de Porto Feliz. Em sua adolescência, já em Salto, Castellari era encarregado de acender e apagar os lampiões da incipiente cidade – uma das primeiras dentre tantas ocupações e ofícios que exerceu ao longo de sua vida em Salto.

Castellari, no que se refere aos estudos musicais, iniciou-se com João Francisco das Chagas, pai de Luiza Isabel das Chagas – senhora com quem se casou em 2 de julho de 1900 e teve 9 filhos: Luiz, João, José Maria, Benedita, Odália, Maria Inácia, Belmira, Henrique e Eduardo. Pouco tempo depois Castellari ingressou na banda do maestro ituano João Narcizo do Amaral, e com ele terminou seus estudos. Em Salto, no início de sua carreira musical, fez parte do Coro e Orquestra Nossa Senhora do Monte Serrat, da Igreja Matriz, capitaneada por um médico italiano aqui radicado, o Dr. Henrique Viscardi.

Em 1902 Castellari já era regente da Banda Musical Saltense, fundada em 1878. Dirigindo-a por cerca de 50 anos, alcançou considerável destaque no cenário estadual. A sede dessa banda, à Rua Dr. Barros Júnior, foi construída por sua iniciativa entre os anos de 1919 e 1922. Também conhecida por “banda brasileira”, em oposição à “banda italiana”, por meio dela Castellari ensinou música a centenas de pessoas. Foi também compositor. Destaca-se entre suas peças uma que trata dos costumes regionais, intitulada “Uma Festa de São João na Roça”, apresentada pela primeira vez em 1923. Ao todo – dentre marchas, dobrados, valsas, tangos, maxixes e sambas – compôs mais de 200 músicas.

Além de seus trabalhos com música, Castellari foi um dos pioneiros da construção civil em Salto. Com registro junto ao CREA como agrimensor, é dele o primeiro levantamento topográfico do município, realizado em 1931 a pedido do prefeito interventor Major José Garrido. Além disso, três plantas do perímetro urbano da cidade de Salto que integram o acervo do Museu municipal são de sua autoria: uma de 1935, com a rede de esgotos detalhada; outra de 1936, com a localização dos terrenos não-edificados; e uma de 1938, em escala 1:4000. Trabalhando também com marcenaria durante muito tempo, foi Castellari o responsável pelo madeiramento do telhando da nova Igreja Matriz, inaugurada em 1936.

Falecido em 19 de dezembro de 1951, a memória do maestro Castellari se faz presente em nossa cidade de diversas formas. Durante muito tempo o maestro manteve uma chácara na região da cidade chamada Vila Nova. Mais tarde vendida e loteada, um logradouro dessa área – na qual hoje está o edifício Cidade Alta – recebeu seu nome: Travessa Maestro Castellari. Entretanto, a mais significativa homenagem foi a atribuição de seu nome ao Conservatório Musical inaugurado em 1967, particular em sua origem, e que constituiu o embrião do que hoje é Conservatório Municipal Maestro Henrique Castellari, com sede no prédio antes ocupado pelo Hotel Saturno, no início da Rua Monsenhor Couto.

Deparei-me um dia desses com uma longa carta do maestro Castellari, sob guarda do Museu da Cidade de Salto, destinada ao então Interventor do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros. A carta data de 30 de abril de 1940 e, ao que me parece, trata-se do rascunho da que muito provavelmente foi remetida. Dizia o maestro, no texto por ele chamado de “memorial”, que a finalidade daqueles escritos era “impetrar (...) uma proteção valiosa para a arte musical em Salto”. Nesse intuito de obter o amparo de uma autoridade, o maestro Castellari iniciava seu memorial pelo histórico da Banda Musical Saltense, que abaixo transcrevo:

“A Banda Musical Saltense foi fundada no ano de 1878, por um grupo de pessoas de boa vontade e vocação musical, quando Salto era ainda uma pequena povoação (...). Foram seus fundadores Joaquim Florindo, Romão Ribas, João Manquinho, João de Assis e outros, todos já falecidos. Depois de 1880, mais ou menos, o benemérito saltense, Dr. Francisco de Barros Júnior, já falecido, ex-Deputado Estadual, (...), avocou-se a direção da referida Banda Musical. Assim, forneceu-lhe instrumental novo, músicas novas, mantendo o maestro João Narciso do Amaral (...), dando trabalho aos músicos em seu estabelecimento industrial e correndo todas as demais despesas da Banda por sua conta. Mais tarde, [em] 1890, referido industrial, vendendo sua indústria, afastou-se da direção da Banda, confiando todo o instrumental e pertences da mesma à guarda da Matriz local, (...).

Dessa época em diante, a Banda ficou sem regente, sem recursos financeiros, indo para a frente por dedicação dos músicos Romão Ribas e João Francisco das Chagas, (...). Em 1902, como músico que era dessa Corporação, assumi a regência e chefia, coadjuvado pelos meus companheiros e músicos, senhores Isaac de Moura Campos, Silvestre Leal Nunes, Joaquim Florindo – todos falecidos, e Antonio Pereira de Oliveira, ainda existente. A Banda, nessa época, achava-se em condições precárias (...) já por falta de instrumentos, etc. Afinal, com muito esforço e boa vontade, consegui reorganizá-la, (...). Hoje, ela é composta de mais de 50 músicos, possui boa sede sita à rua Dr. Barros Júnior, conta com mais de 70 instrumentos e pertences musicais, todos em bom estado de conservação, tem um grande repertório de músicas clássicas, um bom fardamento de brim branco (brim esse doado pela Fábrica Brasital, desta cidade) para 62 músicos, (...), possui Caixa Beneficente para socorrer os músicos necessitados, aula de música para formar novos elementos para a Corporação (medida essa de muito acerto, sem o que a Banda extinguir-se-ia). O terreno em que a sede foi construída foi adquirido por escritura pública, em nome da Banda, não podendo a sede ser vendida ou hipotecada e, em caso de dissolução da Sociedade, os músicos existentes no ato tomarão sob seu cuidado, de acordo com as autoridades locais, os bens existentes, sendo que os músicos remanescentes poderão formar outra Banda, sempre porém com o mesmo nome: ‘Banda Musical Saltense’.”

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Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966