6 de dezembro de 2007

Éramos todos de Salto...

Tinha eu na memória, até bem pouco tempo, apenas parte da composição que segue:
Sou sapeca, sou sapeca perereca,
Não se faça, não se faça de rogado.
Sou de Salto, sou de Salto, sou saltense,
Sapeco o laço no caboclo mais valente.

Viva, viva sempre o nosso presidente,
Em toda parte exigido e necessário.
Sua bengala é seu bastão, sua patente.
Viva, viva o bondoso “seu” Hilário...

Não se pode pôr de parte o nosso amado,
Professor que é tão bondoso e tão querido,
Que este Salto quer tornar quase encantado,
O prefeito tão gentil – José Garrido.

Por vezes me indaguei, sem contudo me preocupar em levantar informações e tampouco recorrer aos mais velhos, qual seria a continuidade daquele fragmento que vez ou outra me vinha à mente: “sou de Salto, sou saltense”. Apenas me lembrava de tê-lo ouvido em fita VHS do ano escolar de 1987, quando eu era aluno da extinta escola infantil Tico e Teco. Não me lembro de cantar a quadrinha, mas me vejo no vídeo a cantá-la, aos cinco anos de idade.

Eis que folheando a Revista Ilustrada de “O Trabalhador” – editada em 1952 em comemoração ao 257º aniversário da cidade de Salto e 3º de fundação de “O Trabalhador”, vejo em uma das páginas, para minha surpresa, a tal composição, ali chamada de quadrinha. Até então, imaginava eu que a letra fosse criação da minha professora de música na época, cujo nome me foge. No artigo da Revista, a letra que acima transcrevi aparece como exemplo do “entusiasmo” e “bem querer do povo Saltense para com o Major [Garrido]”, sendo uma das que eram “feitas em sua homenagem e cantadas por todos”.

José Garrido foi prefeito de Salto por menos de dois anos, entre 1931 e 1932, sendo nomeado pelo novo governo federal, na leva de prefeitos militares após a chamada Revolução de 1930. Este golpe militar instaurou a ditadura (ou “governo provisório”). No poder, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional, destituiu as Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais, anulou a Constituição vigente (de 1891) e substituiu vereadores, prefeitos, governadores e deputados por delegados de polícia e interventores militares.

Em Salto, Hilário Ferrari [1880-1968] era o presidente da Câmara Municipal desde 1929. Em 30 de outubro de 1930, uma junta governativa, liderada por Augusto Kleeberg, dissolve a Câmara. Garrido assume em janeiro do ano seguinte, na posição de prefeito. De acordo com a Revista, na letra da quadrinha, o Hilário mencionado é o ex-presidente da Câmara, então na função de presidente do C.P.E.F.M. (Centro Popular de Educação Física e Moral), criado e incentivado pelo próprio Garrido – um indício de cooptação.

Diz-nos muito a segunda estrofe, que propõe uma equivalência entre Garrido e Ferrari, diante da força política do então presidente do Centro, “exigido e necessário”, ao lhe sugerir uma “patente” de fato. Em suma, num momento de domínio militar, tem o civil local força equivalente, e a “begala” surge ao mesmo tempo como símbolo pessoal e marca de prevalência...

Mas que coisa insólita cantar a tal quadrinha em 1987!


Major Garrido, 1932.
[rara foto em que aparece barbado]
Acervo do Museu da Cidade de Salto

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Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966