Chegou-me às mãos, nos últimos dias de 2008, uma xerocópia de um livreto publicado em 2001 pela Ottoni Editora, de Itu. Trata-se de Pesquisa de Salto, de autoria de Eduardo Castellari. Segundo contato que fiz com a editora, tal livro foi distribuído pelo próprio autor, não existindo nenhum exemplar à venda. Na nota de agradecimento, Castellari cumprimenta a todos os cidadãos saltenses que cooperaram com “histórias e causos”. Assim sendo, imagina-se que o autor, nas páginas seguintes, concatenará escritos com uma pretensa seriedade e outros não tão comprometidos: os mais interessantes, todavia. Tal publicação não era de meu conhecimento até então.
O primeiro dos tópicos trata do “maestro Henrique Castellari”, pai do autor. Embora a veia musical seja a escolhida para dar relevo ao nome, Eduardo menciona a vinda do imigrante italiano para Salto, ainda criança, e fala também de seu primeiro ofício: acendedor dos poucos lampiões a gás que existiam na então vila do Salto. E destaca, ainda, o esforço de Henrique, tido por engenheiro civil autodidata. No início do capítulo seguinte, “O boi Chibarro”, Eduardo justifica a abordagem de temas aparentemente irrelevantes: “há ocasiões em nossas vidas em que, sem uma razão muito lógica, certas lembranças voltam à baila e ficam martelando em nossa memória. Foi o que aconteceu comigo. De repente, sem saber bem porque, lá estava eu lembrando, ou tentando lembrar, de fatos ocorridos com o Boi Chibarro”. Alguns parágrafos adiante, ele menciona seu objetivo ao empreender breve pesquisa sobre uma lembrança dos tempos de sua infância: “perpetuar a lembrança do Boi Chibarro e seus toureiros que passaram a fazer parte da história de Salto”. Contudo, creio que o maior valor desse breve trabalho resida não na eleição do tema, mas na forma escolhida para abordá-lo. Afirma o autor: “na transcrição dos depoimentos (...) procurei manter a singeleza das narrativas, suas espontaneidades e seu sabor local”.
Em “Estórias de lobisomens”, a cidade de Salto em 1920 é vista como um cenário onde “a crendice é muito forte”. Com cerca de 5 mil habitantes, era um local onde “tudo ocorria monotonamente, sem muitas novidades”. A rotina era pacata e sem muitas opções de lazer. Afora a reza, durante a semana, depois do trabalho, “ficava-se em casa conversando e contando ‘causos’ e, é lógico, sempre apareciam as estórias de lobisomens”. Estavam determinadas, portanto, as “condições para que muito se falasse” sobre o assunto. No tópico, algumas informações e causos sobre esse tema são colhidos por Castellari junto a antigos moradores, como este: Numa fazenda, uma família de imigrantes italianos trabalhava duro de sol a sol. Num determinado dia decidiram ir trabalhar no galpão até mais tarde para preparar a colheita do dia seguinte. Apenas um dos membros da família – um jovem – não quis ir. Era noite de lua cheia. No caminho para o galpão apareceu um cachorrinho acompanhando-os. Ele foi enxotado, mas se recusava a fugir. Então, um homem do grupo deu uma varada nas costas do cachorrinho, que saiu correndo e uivando e sumiu no mato. No dia seguinte, o jovem que não foi trabalhar apareceu com um enorme vergão de varada nas costas e disse: “Olha o que vocês fizeram comigo ontem à noite”.
Castellari, ao falar de uma frondosa figueira que “localizava-se na confluência da Rua de Campinas (hoje 9 de Julho) com a Rua Atrás do Céu (hoje Avenida Dom Pedro II), no quarteirão onde hoje está o prédio da Associação Comercial”, recorda que “toda essa área era (...) ocupada por um imenso cafezal, ou o que restava dele: tudo velho e abandonado depois de queimado pela grande geada de 1918”, e servia a alguns habitantes que de lá tiravam lenha para seus fogões. Para retratar o quando deserta era a região naquela época, que em 1925 veria o início da construção das casas da Vila Brasital, o autor é minucioso: “para se ter uma idéia, da figueira até o cemitério velho [hoje Praça XV de Novembro], na Vila Teixeira, pela atual Avenida Dom Pedro II, existia apenas a casa do sr. Pollo e, próximo à rua que descia em direção à igreja, mais umas oito ou nove casas (...). Também para os lados da antiga cadeira [hoje Fórum] e Grupo Escolar [hoje E. E. Tancredo do Amaral], apenas duas ou três casas velhas.”
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