28 de outubro de 2008

A morada dos taperás

Quem vê a margem esquerda do rio Tietê, nas imediações da cachoeira, vê uma ilha artificial. Ela surgiu entre os anos de 1924 e 1927 - período de construção da barragem, canal e da usina de Porto Góes, que ainda hoje gera energia elétrica. E foi justamente a abertura desse canal que isolou uma determinada porção de terra, dando origem à hoje chamada Ilha da EMAE, por conta de estar sob os cuidados da Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. - tendo sido conhecida também, em diferentes momentos do século passado, por Ilha da Light e Ilha da Eletropaulo.

Entre as fendas dos afloramentos graníticos que constituem a Ilha da EMAE era muito comum a presença dos pássaros denominados taperás, especialmente nas proximidades na cachoeira. Esses parentes próximos das andorinhas faziam dessas fendas seu local de repouso. Viajantes europeus em meados do século XIX já mencionavam em seus textos a existência dessas aves. O escritor viajante português Augusto-Emílio Zaluar [1826-1882], em seu livro Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861), em meio aos parágrafos que dedicou a sua passagem pelos arredores de Itu, legou-nos uma bela descrição envolvendo os taperás de Salto:

“Lançando os olhos ao horizonte, vimos vir lá de seus extremos confins uma espécie de nuvem negra e compacta, que se avançava com rapidez nos ares, mudando apenas ligeiramente de forma. Era um imenso bando dessa espécie de andorinhas a que se dá aqui o nome de taperás.
Quando pairou acima de nossas cabeças aquela massa escura, abrindo-se pelo meio, formou um círculo de largas dimensões, e começou a girar vertiginoso, até que, voltando outra vez à sua forma primitiva, tornou a afastar-se tão alto e tão longe que a perdemos de vista. Pouco depois volveu, fez a mesma evolução e tornou a retirar-se, repetindo ainda umas duas ou três vezes este movimento aéreo.

Como, porém, a noite se aproximasse, e nós continuássemos em nossa posição imóvel sobre os rochedos, as taperás começaram a cortar com um vôo oblíquo o espaço que as separava da terra, e a esconder-se nas fendas escuras das rochas que formam o parapeito oposto do outro lado do rio. Parecia na violência e silvo uma chuva de setas, que, disparadas de um arco invisível, se cruzavam sobre nossas cabeças.

Era-nos preciso a pena do célebre naturalista americano Audubon para podermos dar uma idéia deste quadro!

Quando as fendas dos rochedos estavam já cheias de taperás, o que tornava ainda mais escuros os interstícios das pedras denegridas, um de nossos companheiros, apontando a espingarda de dois canos, carregada de tariva, à fenda onde havia maior porção dessas aves, disparou dois tiros, um após o outro, cujo estampido foi reboando lugubremente de penedo em penedo até se perder no fragor das águas.

Senti nesse momento confranger-se-me o coração. As avezinhas que escaparam ao chumbo levantaram vôo apavoradas, e as que ficaram mortas ou feridas, caindo na correnteza, foram enoveladas na espuma, aparecendo de vez em quando boiando à tona d’água, para depois sumirem-se de todo, sepultadas no abismo.

Pobres taperás, antes não fôssemos perturbar a sua existência inocente!”

Cerca de duas décadas mais tarde, o cuidado com os taperás foi preocupação do industrial e político local Francisco Fernando de Barros Júnior [1856-1918] - o doutor Barros Júnior, cognominado “Pai dos Saltenses”. Em sessão da Câmara Municipal de Itu, em 1883, Barros Júnior solicitava: “Indico que se acrescente ao art. 45 o parágrafo único seguinte: Fica proibida a matança dos pássaros denominados Taperás do Salto. O contraventor pagará 5$000 de multa”.

Nos últimos anos, com a chegada da poluição no rio Tietê, a quantidade de taperás sobrevoando nossa cidade diminuiu consideravelmente. Contudo, por conta dos numerosos bandos dessas aves ao longo das décadas e séculos anteriores, elas se tornaram um símbolo de Salto, estando presentes no brasão de armas, na bandeira e no hino da cidade, nos versos: “Salto! Da linda cascata, das praças floridas, dos bandos de taperás. Salto! Que eles encantam, voando e cantando pra lá e pra cá”, de autoria de Archimedes Lammoglia.


Taperás repousando nas pedras próximas à cachoeira, década de 1970.

24 de outubro de 2008

Povoações pioneiras às margens do rio

Ao se seguir pelas águas do rio Tietê – num atlas histórico que tratasse em alguma de suas páginas do início da colonização do território paulista – de sua nascente até as imediações do que, até meados do século XIX denominava-se “sertão bravio”, encontraríamos as seguintes vilas e cidades listadas abaixo. As notas que se seguem contam um pouco da história e de como esses locais estiveram vinculados ao rio especialmente em suas origens:

Mogi das Cruzes
Denominada M’Bogy pelos índios, que significa “rio das cobras”, era como os primitivos habitantes das imediações se referiam ao Tietê. Há menção a um português de nome Brás Cubas que, por volta de 1560, obteve uma sesmaria que vinha até as terras da atual Mogi, aí estabelecendo uma fazenda. É de 1601 o primeiro caminho que ligava a localidade a São Paulo. Mogi foi elevada a vila em 1611, por iniciativa de Gaspar Vaz.

São Paulo
A fundação de São Paulo insere-se no processo de ocupação e exploração das terras americanas pelos portugueses, a partir do século XVI. A região de ocupação inicial pelos padres jesuítas, em 1554, localizava-se entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, este sendo afluente do rio Tietê. Até o século XVIII, São Paulo era um dos centros de onde partiam as bandeiras para os sertões.

Barueri
A origem da cidade foi um aldeamento fundado em 1560 pelo padre José de Anchieta, na margem direita do rio Tietê, pouco acima da confluência com o rio Barueri Mirim. Instalou-se aí a capela de N. S. da Escada. Por muitos anos, a aldeia resistiu aos freqüentes ataques de bandeirantes que desciam o rio Tietê em direção ao interior, aprisionando índios para mão-de-obra escrava.

Santana de Parnaíba
Nascida às margens do rio Tietê, há registros de que o primeiro a se instalar na região foi o português Manuel Fernandes Ramos, participante de uma expedição realizada em 1561 para explorar o sertão, rio Tietê abaixo, em busca de ouro. A capela de Sant’Anna, erguida por seus herdeiros e sua mulher Suzana Dias, data de 1580. Foi importante centro bandeirista.

Pirapora do Bom Jesus
Conta a tradição popular que, por volta de 1725, uma imagem do Bom Jesus foi encontrada por um sitiante encostada numa pedra dentro do rio Tietê. Tida por milagreira, a imagem ganhou uma capela, cuja bênção data de 1730. Pirapora, na língua indígena, significa “sinal de peixe”.

Cabreúva
No início do século XVIII, um senhor de engenho ituano, à procura de local adequado para se instalar, subiu a margem direita do rio Tietê. Após explorar a região, escolheu um vale encravado entre três grandes serras que, mais tarde, seriam denominadas Japi, Guaxatuba e Taguá. Tal senhor fixou-se no local em que hoje está a cidade de Cabreúva, dedicando-se ao cultivo da cana-de-açúcar voltado para a produção de aguardente.

Itu
A construção de uma capela a N. S. da Candelária, em 1610, é o marco da fundação da cidade. Muitas das expedições que saíam do porto de Araritaguaba (Porto Feliz), às margens do rio Tietê, com destino às minas de ouro de Cuiabá, eram organizadas em Itu. Nas terras ituanas, consideradas de boa qualidade para o cultivo da cana-de-açúcar, surgiram grandes fazendas exploradas com mão-de-obra escrava. O cultivo da cana serviu de base para desenvolvimento da produção de café, em meados do século XIX. Por ter abrigado a Convenção de Itu, em 1873, ostenta o título de “berço da república”.

Salto
Em 1698, em terras de seu sítio Cachoeira, na margem direita do rio Tietê, Antônio Vieira Tavares instalou uma capela dedicada a N. S. do Monte Serrat. Para os séculos seguintes, cogita-se que algumas expedições pelo rio Tietê tenham partido do porto Góes, logo abaixo da cachoeira, como alternativa ao porto de Araritaguaba. A localidade permaneceria praticamente inerte até 1875, data da instalação da primeira tecelagem nas proximidades da cachoeira que dá nome à cidade, em virtude do potencial energético. Uma segunda tecelagem se instalou em 1882, alicerçando o perfil industrial que a cidade assumiria ao longo do século XX.

Porto Feliz
Situada na margem esquerda do rio Tietê, no local em que os indígenas chamavam de Araritaguaba, o mais remoto registro da localidade data de 1693. O porto natural de Araritaguaba, contudo, tornou-se importante durante o século XVIII, época em que as monções tinham ali seu principal local de partida rumo a Cuiabá. Foi, mais tarde, centro açucareiro.

Tietê
Durante as monções do século XVIII, Pirapora do Curuçá, antiga denominação de Tietê, era um importante porto de reabastecimento e descanso das embarcações que saíam de Araritaguaba. Uma das principais atrações de Tietê é a Festa do Divino, que ocorre desde 1830. O ponto culminante desse evento, que acontece tradicionalmente no último sábado do ano, é o encontro das canoas, que de dá no leito do rio Tietê.


Mapa do Estado de São Paulo com as localidades abordadas em destaque.

20 de outubro de 2008

Fantoches da Brasital

Em seu número 221, de 26 de novembro de 1925, o periódico local O Saltense – “semanário noticioso, dedicado aos interesses do município”, trazia em sua primeira página um artigo intitulado “Abaixo a máscara”. Nele, severas críticas eram dirigidas a um grupo de pessoas que teriam assinado um boletim distribuído pela cidade naquela semana. Tal grupo teria se proclamado, nesse boletim, como integrantes do Partido Republicano Municipal de Salto, deixando inconformados os articulistas do referido órgão da imprensa local, que tinha então como diretor-proprietário Fernando Camargo e como redator-chefe Oswaldo de Souza Aguirre, famoso orador local.

A crítica veiculada no jornal se voltava ao uso dos termos republicano e municipal e à clara ligação do grupo político aos interesses da indústria Brasital S/A: “Envergonhados de se intitularem manequins e fantoches da Brasital, rotulam o partido com um falso nome, enfeitando o seu boletim com palavras bonitas para armar efeito e que (...) nada exprimem, partidas de quem partem”. Essa seria a máscara a ser posta abaixo: “se são da Brasital não iludam a boa fé do público apropriando-se indevidamente de um título que lhes não compete”.

Na página 3 da mesma edição, o “Boletim Eleitoral” nos dá a atmosfera do momento: “Realizam-se em 29 do corrente as eleições para Vereadores à Câmara Municipal e Juízes de Paz. Como se trata de uma questão vital para o Município, o Diretório Político local tem a certeza que o Eleitorado Saltense cujo brio tantas vezes [foi] posto a prova, [e] soube sempre colocar-se à altura do renomado civismo que o norteia, virá em peso sufragar pelas urnas o nome dos cidadãos que irão defender os seus interesses”.

E justamente sobre a defesa dos interesses do município é que pairava a hostilidade em relação ao grupo político alvo das críticas: “Contratados especialmente pela Brasital, para defesa de seus interesses, e não do município que tem os seus legítimos representantes que podem dizer-se independentes, deviam rotular o seu partido com o rótulo devido e que seria: PARTIDO PARTICULAR DA BRASITAL”. Com base nisso, o jornal denunciava o interesse da Brasital em incentivar o eleitorado local a eleger aqueles que seriam seus representantes “dóceis” na Câmara – sujeitos que, de uma forma ou de outra, atuariam de acordo com os interesses não da cidade, e sim da indústria, definida como “uma Companhia que desconhece o seu lugar para açambarcar tudo o que lhe venha matar a fome do outro, a sede de poderio que a vem convulsionando, satanicamente”.

Em “A situação”, nas páginas 2 e 3, o articulista sob o pseudônimo Malchisedeck traça o panorama dos dois últimos triênios da Câmara local, caracterizando-a como favorável à Brasital – e troca em miúdos como se daria a continuidade dos trabalhos: “a Brasital quer tomar conta da Câmara, só para defesa dos seus interesses. É para não dar conta de seus atos a ninguém. Quando precisar de um contrato que lhe garanta uma isenção de imposto é só mandar as cláusulas aos seus comandados que serão logo aprovadas. Até é ridículo: uma Companhia tão rica faça política por ½ dúzia de contos e... ainda fala em pagar eleitores! Isso admira: é quem mais histórias faz para pagar impostos. Paga, na verdade, mas não dispensa a fita.”

15 de outubro de 2008

O Grande Bazar Saltense

Primeiros tempos
O atual Armazém Popular é um estabelecimento centenário, sendo um dos mais antigos em atividade no Brasil. Esse armazém, onde se vendeu e se vende mais de 10.000 produtos diferentes, iniciou suas atividades em 1908. Nessa época, era seu proprietário Estevão de Almeida Campos, vulgo Nhozinho Estevo. Em 1926, Nhozinho Estevo vendeu o então Grande Bazar Saltense a Hilário Ferrari – italiano há tempos radicado no bairro rural do Buru, que chegara à cidade dois anos antes.

O estabelecimento fazia jus ao nome de Grande Bazar, pois lá se encontrava de tudo. Anúncios pintados em sua fachada, entre uma porta e outra, indicavam a variada gama de produtos comercializados: secos e molhados, no atacado e no varejo; louças, porcelanas, camas de ferro, ferramentas para lavoura e artesanatos, óleos, tintas, cal, cimento, produtos de limpeza, querosene, conservas, bebidas, utensílios de alumínio etc. Até mesmo gasolina se vendia, visto que a casa era agente da Anglo-Mexican, vendendo a gasolina da marca Energina, como se vê pela bomba à manivela instalada próxima ao meio-fio, em foto de 1930 (abaixo).


Grande Bazar Saltense ou esquina do Hilário, 1930.

Troca de proprietários
Em 1946, o armazém voltou às mãos da família Almeida Campos, sob a razão social Miranda Campos & Cia. Eram seus proprietários, nessa ocasião, os irmãos José Maria e Paulo Miranda Campos, e “Totó” Almeida Campos – que repassaria sua parte na sociedade a João Arlindo Vendramini, cunhado dos outros dois proprietários. Dez anos mais tarde, Roberto Ferrari readquiriu o armazém, mantendo-se à frente até 1969. Nesse ano, passa o estabelecimento para o controle de seu filho Roberto Vladimir, mais conhecido por Bertinho Ferrari, que desde seus 13 anos trabalhava ao lado do pai.


A mesma esquina, já sob o nome Armazém Popular, década de 1980.

Viagem ao passado
Além da longevidade enquanto estabelecimento comercial em um mesmo ponto, o Armazém Popular – em tempos passados, o Grande Bazar Saltense – mantém viva sua vocação eclética original, possuindo grande variedade de artigos. Alguns itens chamam especialmente a atenção, pela dificuldade de encontrá-los em outros lugares, como os calçados Conga, Bamba e Kichute, da marca Apargatas; fumo-de-corda, cachimbo de barro, isqueiro a gasolina, estilingue, lampião a querosene e palha para cigarro. Lá também sobrevive a antiga prática de marcar o valor das compras em cadernetas, para acerto posterior, no final do mês. Hábitos de um tempo que já se foi.Em seu interior, à vista de suas altas prateleiras de pinho-de-riga, sente-se a atmosfera de um típico comércio das primeiras décadas do século passado. Hoje, quando se vive, cada vez mais, uma pasteurização nas formas de se comprar e vender, visitar o Armazém Popular é um estímulo, aos de imaginação mais fértil, a uma viagem no tempo.

As várias formas de uma praça

Largo do Rocio
Em planta da então Vila do Salto, datada de 1889 (veja abaixo), uma fração da atual Praça Archimedes Lammoglia – nas proximidades da atual Rua 23 de Maio, à época Rua Riachuelo – chamava-se Largo do Rocio. Delimitado por um casarão, de um dos lados, e pelos prédios das tecelagens, de outro – ainda apresentava as rochas tão comuns nas margens do rio Tietê. Era área de trânsito dos que desejassem contemplar a cachoeira a partir da Pedra Alta, onde em 1912 seria instalado um mirante. Naqueles anos, gradativas e pontuais intervenções melhoravam o aspecto daquele espaço.


Arte de Lucas Frias Zanoni

Jardim Público
A urbanização do Largo do Rocio ocorreu na gestão do prefeito-interventor Major José Garrido, em 1931, que o transformou no Jardim Público. No local onde existia uma torre com um relógio, foi instalado também um serviço de rádio. Em vista disso, muitas pessoas, à noite, para lá se dirigiam para ouvir música. Nas tardes de domingo, as atenções se voltavam para as transmissões dos jogos de futebol do campeonato paulista.



Jardim Tropical
Em 1958, o casarão que abrigava um colégio dirigido por freiras – o Externato Sagrada Família – foi demolido, pois a instituição fora transferida para outro ponto da cidade. Assim, o prefeito da época incumbiu o arquiteto e paisagista João Walter Toscano, com escritório aberto naquele ano, de apresentar um projeto que remodelasse não só o espaço ocupado pelo Jardim Público – que foi então modernizado e rebatizado como Jardim Tropical – mas também a parte da praça mais próxima à ponte Salto-Itu. Ali foram instaladas a concha acústica e a escadaria ampla, que forma um anfiteatro, além de uma fonte luminosa.



João Walter Toscano
Reconhecidamente um dos mais destacados arquitetos de sua geração, João Walter Toscano nasceu em Itu, em 1933. Graduou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em 1956, onde depois passou a atuar como professor doutor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. Nesses mais de 50 anos de profissão, o arquiteto constituiu um currículo invejável, com destaque para inúmeras obras públicas. Em seu início de carreira, Toscano projetou os edifícios para as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Itu e de Assis; o Clube Recreativo de Assis e os planos urbanísticos de cidades no interior do Estado de São Paulo, dentre eles o desta praça – obra inaugurada em 1963.

A cachoeira visitada por ilustres

Desde o século XVII existem relatos sobre a vinda de pessoas das mais diversas procedências para ver a cachoeira que dá nome a esta cidade. Dentre os visitantes que por aqui passaram, alguns merecem destaque.

As três visitas do imperador
Em 23 de agosto de 1875 a cachoeira de Salto foi visitada pelo imperador Dom Pedro II e sua comitiva, não sendo esta a única ocasião em que aqui esteve. Antes, a visitara em 1846, juntamente com a imperatriz D. Thereza Christina – fato que se repetiria pela terceira e última vez em 31 de outubro de 1886. Pedro II fez anotações em seu diário de viagem sobre a cachoeira e as fábricas que visitou:
Salto de Itu. Até à estação do Salto de estrada de ferro e depois a pé. Ligeiro iris na poeira da água do Salto. Andorinhas (Taperós) [sic] que vem dormir entre os rochedos pegados a eles, como morcegos. Fábrica que já começou a trabalhar do Galvão. Movida por água do Tietê. 2600 fusos a 50 e tantos teares. Pano grosso e menos grosso. Vi as oficinas da estrada de ferro. Jantar. Recepção.
Numa das ocasiões, Pedro II posou para uma foto (que se perdeu) na então chamada Pedra Alta, onde hoje se localiza este mirante. Além do imperador, Salto também foi visitada por sua filha, a princesa Isabel; e seu genro, o Conde d’Eu.

Presidente da República
Em 13 de abril de 2006, o Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, acompanhado de sua comitiva, refez o mesmo itinerário dos muitos pintores, naturalistas e viajantes do passado, e contemplou o velho Ytu Guaçu a partir da Ponte Pênsil.

Viajantes, pintores e naturalistas
São vários os relatos de viajantes do século XIX que mencionam a cachoeira de Salto. O francês Auguste de Saint-Hilaire, que esteve diante da cachoeira em 1819, publicou suas impressões sobre a cachoeira no livro Viagem à Província de São Paulo. Em um dos trechos, relata: “Depois de serpentear celeremente por entre as pedras amontoadas, o rio lança-se de repente por um estreito canal, cercado de ambos os lados por uma muralha de pedras a pique, e dali se precipita de uma altura de 25 ou 30 pés com uma impetuosidade inconcebível e um estrondo suficientemente forte para ser ouvido na cidade de Itu.”

Hercule Florence, francês radicado em Campinas, tido por muitos como o inventor da fotografia, em Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas (1825-1829), registra sua passagem pela cachoeira no ano de 1826. Outro exemplo é o viajante português Augusto-Emílio Zaluar, que em Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861) faz referência aos taperás – aves que, em grande número, circundavam a cachoeira e se escondiam por entre as fendas das rochas.

Na lista dos artistas que pintaram a cachoeira, dentre brasileiros e estrangeiros, há nomes como Jean-Baptiste Debret (autor da aquarela abaixo), Miguelzinho Dutra, Hercule Florence, Noêls Aimé Pissi, Almeida Júnior, Pedro Alexandrino e Erich Brill.


Queda do Tietê perto de Itu, 1829
Jean-Baptiste Debret
Aquarela sobre papel
12,9 x 23 cm

Tecelagens às margens do Tietê

A partir de 1875, a presença de empreendimentos fabris às margens do rio Tietê transformou Salto numa localidade voltada para o trabalho. Em geral, a mão-de-obra dessas primeiras fábricas era formada pelo trabalhador livre brasileiro, com numerosa presença de mulheres e crianças, como se pode ver nas fotos dos grupos de operários desse período.


Fábrica Fortuna. Grupo de funcionárias da seção de fiação com seus mestres, 1903.

No final do século XIX, a composição desse quadro inicial se alterou com a chegada de imigrantes europeus, em sua maioria italianos. Este grupo, presente em grande número nas primeiras décadas do século XX em Salto, constituía a maioria dos operários empregados, que em muitos casos eram egressos de fazendas de café do interior paulista.

Foram os descendentes desses primeiros italianos a formar o contingente de trabalhadores das décadas seguintes, pois a política de contratação dava preferência aos filhos de operários ativos na empresa. Durante décadas, o destino de muitos jovens saltenses estava traçado desde o berço: aos 12 ou 14 anos, ingressariam na Brasital S/A – indústria de fiação e tecelagem, proprietária de todo o complexo fabril instalado às margens do rio Tietê, em Salto, entre 1919 e 1981.

Era marcante a presença feminina, com as mulheres representando, por volta de 1940, 75% da mão-de-obra empregada. A elas invariavelmente cabia uma dupla jornada, tendo que conciliar os afazeres domésticos, nos períodos de folga, com o trabalho na fábrica. Os 25% restantes eram homens que trabalhavam na tinturaria, oficinas mecânica, elétrica e de carpintaria, nos escritórios, nas cardas e nos depósitos de algodão e de fios.

Quanto aos menores de 18 anos, as meninas ingressavam como auxiliares das maquinistas, tanto na fiação como na tecelagem. Os meninos ingressavam como ajudantes dos mecânicos, eletricistas e carpinteiros. Outros ingressavam no escritório da fábrica ou como escriturários nas seções da indústria – tais como tecelagem, fiação, tinturaria e oficinas. Informou-me dessa distribuição, durante essa semana, meu amigo Genézio Migliori, que lá trabalhou por 18 anos, tendo ingressado aos 14.

A relação dos operários com o rio sempre foi muito estreita. Existiam lendas em torno da existência de uma canoa fantasma, que podia ser vista nas águas do Tietê através das janelas da fábrica, pelos funcionários do turno da noite. Outro exemplo é a cena comum, até a década de 1950, de operários que saíam do serviço às 16h30 e atravessavam a Ponte Pênsil para ir pescar. Quase sempre havia um parente ou amigo esperando com as varas e as iscas. Ao escurecer, retornavam para suas casas com os peixes, que constituíam a mistura do almoço ou jantar do dia seguinte.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966