9 de julho de 2022

O escorregador do Rio Jundiaí

Nas últimas chuvas mais volumosas deste ano - e a consequente cheia dos rios - ampliou-se preocupação com destruição de mais um elemento do patrimônio histórico de Salto - "o escorregador do Rio Jundiaí". Por sorte, a perda desse bem cultural não ocorreu. Aproveito, então, e trago imagens dos anos 1940 e um texto de 2007 (mesmo ano da foto em cores, abaixo) que permitem avaliar um pouco dos significados deste referencial da memória saltense.

O extinto Clube de Regatas Estudantes Saltenses (CRES) - responsável pela instalação do escorregador e trampolim - surgiu em 1936. Utilizava-se de terrenos próximos e das águas do Rio Jundiaí, particularmente de seu trecho final, próximo ao encontro com o Rio Tietê, entre o Bairro da Barra e a Estação Ferroviária.

Em Salto, o uso regular dos rios para prática esportiva encerrou-se nos anos 1950, pois já naquela época a poluição - notadamente do Jundiaí - impedia seu uso recreativo.






Em 2007, colhi algumas informações a partir do "Regimento" do CRES. Sua leitura nos permite imaginar algumas das práticas desse clube e de uma época:


REGIMENTO DO REGATAS

Dias atrás, li algumas páginas do regimento interno do Clube de Regatas Saltense, impressas em 1939 pela Spröesser & Cia., em Salto, num formato [16 x 12 cm] que me lembrou as antigas cadernetas de padaria, que ainda sobrevivem em alguns lugares. Pequenas publicações deste tipo, com ligeiras variações, existem para outras entidades e clubes saltenses fundados na primeira metade do século XX, hoje quase todos extintos.

O Clube de Regatas Saltense utilizava-se, para suas práticas esportivas, do último trecho do rio Jundiaí, descrito como área esportiva, situada “entre a ponte do Rio Jundiaí e a ponte da E.F.S. [Estrada de Ferro Sorocabana], e de cada lado confinando com uma linha reta imaginária, traçada da margem esquerda do Rio Tietê à ponta da margem direita do Rio Jundiaí”. Essa área esportiva, eventualmente, poderia “ser ampliada (...) de acordo com o parecer do diretor esportivo [que na data de impressão do regimento era Raphael Mugnai]”.

As disposições iniciais são sobre os esportes praticados: remo e natação. Acerca do remo, os artigos tratam do uso do barracão [hoje apenas um terreno murado na rua Marechal Deodoro, à venda], em especial estabelecendo os seus horários de funcionamento “para retirada das embarcações”. Os tripulantes eram apenas os sócios inscritos e autorizados pelo diretor esportivo, e se tornavam “responsáveis pelas avarias ocorridas nos remos ou barcos” que utilizassem. Alguns termos próprios do esporte surgem nos artigos 4º e 5º: patrão [nos barcos de regata, aquele que dirige o leme e comanda o ritmo das remadas] e guarnição [o conjunto dos remadores dum barco]. O lazer com os barcos obedecia a um limite estreito: “Fora das representações, nenhuma guarnição (...) [poderia] utilizar-se dos barcos por mais de meia hora, sem prévio consentimento do diretor esportivo”.

A natação não era permitida “aos menores de 16 anos que, embora sócios contribuintes,” não estivessem “devidamente autorizados pelos seus pais ou responsáveis”. Entre os nadadores maiores de 16 anos, permitia-se “dar caldo [mergulho forçado que, geralmente por brincadeira, se dá em quem está nadando]”. Trata disso o artigo 13º, proibindo tal prática entre os menores de 16, fossem “sócios ou aspirantes”. Vetava-se também “atirar pedras, barro, etc.”.

Há, por fim, três outros aspectos interessantes. Dois deles ainda resistem fisicamente como referenciais da memória do uso de nossos rios enquanto lugar de lazer: o escorregador [chamado no documento de water-shoot] e o trampolim. Sobre o primeiro, destinado “a brinquedos individuais ou coletivos” devia-se “ter especial cuidado, a fim de evitarem desastres ou ocorrências desagradáveis”. Embora estivesse ao alcance de qualquer transeunte, como ainda hoje permanece, era “expressamente proibido subir à plataforma do water-shoot sem uniforme ou sem o traje permitido aos remadores”, conforme o artigo 39º mencionava. Já sobre o uso do trampolim, o sócio deveria observar o “perigo de se lançar sobre os nadadores ou remadores [que estivessem], no momento, próximos do trampolim”. Também não era permitido “permanecer [no trampolim] só ou em grupos (...), impedindo, desse modo” os que desejassem dele saltar.

O terceiro aspecto peculiar era o cocho – plataforma de madeira que boiava graças a tambores vazios a ela amarrados, destinada “ao aprendizado da natação”. Sair dessa espécie de cercado semi-imerso na água era proibido aos “aprendizes que não (...) [tivessem] autorização do diretor”. Proibia-se ainda a permanência no cocho de sócios que soubessem nadar, quando nele estivessem aprendizes. Peculiar é o artigo 35º, que proíbe “brincadeiras inconvenientes no cocho, quando os aprendizes, homens ou mulheres, nele” estivessem. Nesse rol de preocupações, tampouco se permitia “fazer do cocho trampolim, subir nos tambores, permanecer nas grades e no pranchão e praticar quaisquer atos que (...) [pudessem] danificá-lo”.

Ouça o hino da cidade, "Salto Canção", na gravação de 1966