Na contracapa do livro utilizado para registro do
movimento dos internados em Salto durante a pandemia de gripe de 1918, que
ficou conhecida por gripe espanhola,
vê-se um panfleto nela colado. Intitulado “Ao público”, informa que “a Comissão
de Socorros, tendo em vista o franco declínio da gripe nesta cidade, avisa ao
povo que o Hospital, instalado no Grupo Escolar, será fechado no próximo
domingo, 8 do corrente”. Datado de 6 de dezembro, o panfleto, que provavelmente
foi distribuído por toda a cidade, informava que “os doentes, todos em
convalescença” teriam alta no dia seguinte – um sábado. Por fim, assegurava que
os médicos continuariam “a receitar às pessoas indigentes, de acordo com a
lista em poder dos mesmos”, os “medicamentos [que] se encontram no Hospital”.
Além disso, garantia-se que a Comissão
continuaria “a distribuir gêneros alimentícios aos necessitados”.
Uma das páginas do livro de registro |
A gripe espanhola apareceu em duas ondas diferentes.
Na primeira, em fevereiro de 1918, embora bastante contagiosa, era uma doença
branda, não causando mais do que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda,
em agosto, tornou-se mortal. Se a primeira onda de gripe atingiu em especial os
Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro. No Brasil, ela chegou
no final de setembro de 1918: marinheiros que prestaram serviço militar em
Dakar, na costa da África, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em duas
semanas, surgiram casos de gripe em outras cidades do Nordeste, em São Paulo e
no Rio de Janeiro.
Nos jornais da época, multiplicavam-se as receitas,
como pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso para evitar o contágio e
desinfetar o ar. Com o avanço da pandemia, sal de quinino, remédio usado no
tratamento da malária e muito popular na época, passou a ser distribuído à
população, mesmo sem qualquer comprovação científica de sua eficiência contra o
vírus da gripe. Diante do desconhecimento de medidas terapêuticas para evitar o
contágio ou curar os doentes, as autoridades aconselhavam apenas que se
evitassem as aglomerações. A partir desse raciocínio, criaram-se os hospitais
de isolamento.
Em Salto, o total de pessoas internadas no hospital de
isolamento improvisado no Grupo Escolar – atual Escola Estadual Tancredo do
Amaral – foi de 61. O primeiro a ser internado, em 19 de novembro, foi o jovem
Eduardo Carlos (14 anos de idade), “morador no Morro Vermelho” e “empregado do
Sr. Manoel da Silva Ladeira, residente na Vila Nova”. A última internada, em 6
de dezembro, foi Julia Ribeiro, jovem de 17 anos “natural de Santa Bárbara” e
“moradora à Rua Paysandu nº 119” (atual Rua Ruy Barbosa) – conforme registrou o
diretor dos trabalhos, Silvino Silveira.
Os registros são minuciosos. Há o detalhamento dos
objetos pertencentes ao hospital, que por sua vez foram colocados à disposição
da Câmara de Salto após o encerramento dos trabalhos. Na listagem, figuram
itens como camas de ferro, camisolas, colchões de capim, lenços, cobertores de
lã, pares de chinelos, urinóis, pratos de louça, saca-rolha, fogareiro, vassoura
– dentre outros.
Na relação das pessoas envolvidas com os trabalhos, na
qual a maior parte delas aparece descrita como “enfermeira” ou “servente”,
notamos a presença de pessoas vinculadas às antigas tecelagens de nossa cidade,
tais como a Ítalo-Americana – caso do
vigilante noturno João Leme – e a Monte
Serrat – casos da enfermeira Margarida de Pádua e da cozinheira Emilia de
Oliveira.
Uma nota triste aparece na tabela do “movimento geral”
de dezembro de 1918: “No dia 4 (...), a
internada Augusta Carlos deu a luz a uma criança do sexo masculino, que recebeu
o nome de Benedicto. A parturiente é esposa de Tiburcio de Arruda Campos,
também internado. A criança nasceu às 10.25 do dia 4, e faleceu às 16.15 do
mesmo dia, vítima de gastro-enterite”.
Numa rápida observação dos registros,
observam-se casos como os de Maria Benedicta (30 anos de idade), Maria de
Lourdes (6), José (10) e Agenor da Silva (8) – respectivamente mãe e seus três
filhos, internados todos no dia 21 de novembro. Há, ainda, situações como as da
família Tardelli, em que no espaço de poucos dias, vários de seus membros foram
internados. O balancete final dos 19 dias de funcionamento mostra que, do total
de 61 pessoas que passaram pelo hospital improvisado, com um número máximo de
26 concomitantes em três desses dias, houve dois falecimentos: Fernando
Tardelli, de 44 anos; e Aurélio Biaggi, de 49 – ambos italianos.
Texto publicado originalmente no jornal Taperá em 13/11/2010.
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