O maestro Zequinha Marques [1893-1981] em foto da década de 1970.
Em 10 de abril de 1979, José Maria Marques de Oliveira – o popular Zequinha Marques [1893-1981] – foi entrevistado por Edmur Salla. Naquela ocasião, o interlocutor apresentava uma proposta abrangente: Zequinha “irá nos contar tudo aquilo que sabe sobre a história, sobre os principais acontecimentos da cidade de Salto, desde que sua memória consiga perceber até os dias de hoje”. Ouvindo a gravação, pudemos extrair alguns fragmentos e aqui apresentá-los.
Alfaiate e músico ligado à Igreja católica, especialmente, Zequinha iniciou a narrativa de suas memórias tratando da fundação da Banda Giuseppe Verdi, constituída a partir da iniciativa de membros da colônia italiana em Salto, tendo isso ocorrido em 1901. Cita também alguns nomes ligados à banda: José Moretti, Diogo Alves da Costa, Júlio Kraus, Romualdo Mosca, Leonardo Lonardi e Vicenzo Turri – sendo este último o maestro, cargo posteriormente ocupado por João Narcizo do Amaral, “um professor de música, leigo, de Itu”. Menciona ainda que a instalação da banda deu-se sob o patrocínio do industrial José Weissohn – um engenheiro vindo da Itália que adquiriu as duas tecelagens pioneiras instaladas à margem direita do rio Tietê. Em 1903, ocorreu a “a inauguração de um salão que o doutor [Henrique] Viscardi [1858-1913] e a colônia italiana ajudou [sic] a construir (...). Formaram um palanque e a dona Corina Weissohn, senhora do industrial José Weissohn. Esta descobriu a bandeira que estava coberto [sic] o corpo da imagem de Giuseppe Verdi. Neste momento, a banda de música tocou o hino italiano, a Marcha Real Italiana, e soltaram foguetes”.
Zequinha também descreve a primitiva capela de Nossa Senhora do Monte Serrat e seu entorno: “era de quatro paredes, tendo sineiro feito [de] umas madeiras salientes que formavam uma casinha onde estava[m] colocado[s] os sinos ao lado. Era assim a Igreja. Na frente tinha oito paineiras, quatro [de] cada lado, enormes, e mato, capim”. Descreve ainda a substituição dessa construção pela atual: “A Igreja era feita de taipa. [Em] (...) certa época [1928], padre João da Silva Couto [1887-1970] [a] demoliu... Quem demoliu foi a Brasital, por conta dela, sendo um dos demolidor[es] Dante Milioni, que amarrou entre duas janelas um cabo de aço de 5000 peso de potência [sic] e puxou, e demoliu a Igreja e aos poucos o resto das taipas à picareta, até que construíram uma nova que existe até hoje.
Sobre as dimensões da Salto de sua infância, diz que a cidade terminava “na Rua Rui Barbosa. Dali em diante era mato, pasto e cafezal de propriedade de Antonio da Silva Teixeira, [que] depois passou por diversas mãos – esse cafezal e essa vastidão de campo. A Brasital comprou uns trechos do campo e construiu a vila dos operários [as 244 casas que constituíam a Vila Operária Brasital foram construídas entre 1920 e 1925, e até 1967 estavam nas mãos na empresa]. A Rua 9 [de Julho] hoje chamava-se (...) Rua de Campinas, depois foi mudado o nome para Rui Barbosa, e depois devido a um senhor muito fanático pela Revolução de 32, [trocou-se o nome por] 9 de Julho, (...) [que permanece] até hoje”.
Em determinado momento da gravação, o interlocutor solicita a Zequinha Marques que fale “das outras bandas que existiam no Salto”, e Zequinha diz que “tinha a orquestra do doutor Enrico Viscardi, onde catava[m] diversas pessoas: Luís Bonani, Demétrio Ughieri, José Fogueteiro... O doutor Viscardi, muito amigo de cantar, era judeu. Não acreditava em coisa nenhuma, (...) mas como gostava de cantar, formou uma orquestra para cantar nas missas e festas de Salto”. Sobre a figura de Barros Júnior [1856-1918], Zequinha tece breve comentário: “um senhor cujo pai era proprietário da fazenda Morro Vermelho. Rico, mandou o filho, Francisco Fernando de Barros Júnior, estudar nos Estados Unidos, engenharia mecânica (...). Ele fundou a fábrica dele [sic] junto do terreno de José Galvão.”
A gravação inclui outras passagens, sendo em maior quantidade aquelas ligadas a sociedades dançantes e musicais. A última referência é às Festas do Salto. Em suas palavras, ela assim ocorriam, no final do século XIX e início do XX: “No [meu] tempo de criança formava festa dia 8 de setembro em louvor a Nossa Senhora do Monte Serrat e tinha muitas irmandades [que] faziam procissão no dia 8, Dia da Padroeira, até hoje. E as barracas eram feitas de pau-a-pique, de pita, de cambuí... onde vendiam pastéis, quentão, coisas de noite de São João usavam na Festa de Setembro. Cuscuz etc. Doce de batata, de abóbora e... coisas mais e a Festa... [ocorria na praça] Paula Souza... ali eram feitas as festas profanas. [Tinha ainda] um cavalinho de pau que vinha de Tietê, de um homem; dois senhores tocavam realejo...”.
O depoimento que serviu de base para esta coluna pode ser ouvido na íntegra, na Internet, a partir do endereço: www.salto.sp.gov.br/museu/depoimentos.html