No ano de 2007, no primeiro mandato do então prefeito José Geraldo Garcia, a Secretaria da Cultura e Turismo - que contava com a liderança do já falecido Prof. Valderez Antonio da Silva (1962-2018) - deu impulso significativo à preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade de Salto. Nesse movimento, um quitute comum na cidade desde meados do século XX foi alçado à condição de tradição culinária local pelo Decreto 037/2007, de 30 de agosto de 2007. Como historiador do Museu à época, pude acompanhar e documentar esse processo.
Selo criado para divulgação do "quitute local".
Assinatura do Decreto durante cerimônia.
Parte integrante dessa legitimação foi a coleta de informações junto aos antigos moradores envolvidos com a tradição a se forjar (ou a se ressignificar), em particular as senhoras e descendentes daqueles que vendiam as "tradicionais empadas fritas saltenses". Foi possível, inclusive, apontar uma "primeira" empadeira.
Partilharemos neste post parte da pesquisa feita à época, sob condução do Museu da Cidade de Salto. Vale destacar o empenho do Prof. Wladimir Tadeu Zotti, que percorreu inúmeras residências, coletando depoimentos e verdadeiramente legitimando o quitute, por meio de sua pesquisa, como um "bem cultural" dos mais interessantes para a cidade.
Uma das reuniões com as "empadeiras" para tratar do projeto em curso.
Fruto desse esforço, surgiram desde um Decreto Municipal até um festival exclusivo, com direito a concurso e a toda uma movimentação de pequenos empreendedores locais. Anualmente, dado esse movimento, a imprensa regional se interessa pela pauta e acaba por destacar a cidade e seu quitute - desde 2007 apresentado como "tipicamente saltense".
A tradição
A origem da receita da empada frita de Salto permanece incerta. O que se sabe é que a precursora no seu preparo foi Diamantina Andriolli, popularmente conhecida como Dona Nena, que teria aprendido a receita com seus familiares. A partir da década de 1950, Dona Nena preparava suas empadas, juntamente com as ajudantes Dona Julica e Dona Eliza. Os quitutes, muito apreciados já naquela época, eram vendidos por meninos nas ruas de Salto, em cestos de vime.
Dona Nena em foto de 1946.
Dona Nena e uma de suas filhas, 1972.
Com o tempo, a empada frita passou a ser preparada por várias outras senhoras saltenses, seguindo basicamente a mesma receita, cuja massa leva farinha de trigo, água, sal, fermento, gordura e um pouco de aguardente. Os recheios mais usuais são o frango e o palmito, mas ela também já foi preparada com camarão e mesmo bacalhau. Ao longo de mais de meio século, desenvolveu-se o hábito de abastecer os bares da cidade e atender encomendas para festas e outros eventos, com as empadas no tamanho grande, tradicional, ou menores, entregues às dúzias e centenas.
Mulheres saltenses, como Alzira Pacher Bonatti (Dona Ila), Idair Scalet, Alzira Cruz Figueiredo, Otília Alves Amaral, Jacira Pacher, Irene Zanuni, estão entre as muitas empadeiras que sustentam até hoje uma tradição local, de vez que a empada frita não é encontrada em outros lugares. É comum pessoas de outras localidades fazerem suas encomendas de empadas fritas em Salto, depois de as terem conhecido através de algum parente ou amigo.
Alzira Cruz
Ernesto Andriolli
Idair Scalet
Ila Bonatti
Jacira Andrade
Otília Amaral
Por se tratar de uma tradição culinária tipicamente saltense, com uma clientela de apreciadores que cresce a cada dia, a empada frita foi declarada bem de valor cultural para a comunidade local. Passou, assim, a ser oficialmente divulgada pelos órgãos públicos que zelam pelo turismo e pela cultura, com o objetivo de preservar e incentivar o conhecimento de uma delícia que vem se somar a tantos outros atrativos oferecidos pela cidade de Salto.
Os depoimentos que legitimaram a tradição
A pesquisa elaborada pelo Museu da Cidade de Salto, em 2007, contou com a coleta de depoimentos realizada por Wladimir Zotti, que entrevistou as pessoas abaixo listadas. O resumo para cada nome, inclusive, é de sua autoria. As idades indicadas são do ano da pesquisa, sendo provável que algumas depoentes já tenham falecido.
ERNESTO ANDRIOLLI – "TUCO" (filho de D. Nena) – 70 anos
Segundo as informações obtidas, D. Nena, cujo verdadeiro nome era Diamantina Andriolli, lá pela década de 1950, foi uma das precursoras na produção de empadas fritas em Salto juntamente com suas ajudantes D. Julica (já falecida), D. Maria (falecida) e D. Eliza (com 92 anos). Suas empadas eram muito famosas em Salto e possuía grande freguesia, pois seu filho Ernesto e outros meninos saíam com um cesto de vime para vender as empadas nos comércios e pela cidade (entrevista concedida em 09/08/2007).
ALZIRA PACHER BONATTI (ILA) – 78 anos
Fez empadas fritas durante 30 anos e aprendeu a receita com sua irmã Jacira. Atualmente não faz mais as empadas, por motivo de saúde. Alegou que se pudesse, ainda continuaria a fazer os salgados (entrevista concedida em 07/08/2007).
IDAIR SCALLET – 58 anos
Proprietária do Krepp Café e durante muito tempo do Restaurante Scallet. Ainda produz as empadas fritas em grande quantidade, faz encomendas para festas, eventos etc. Produz a pequena para festas e a grande para vender no balcão (individual). As fotos que ilustram esta pesquisa foram tiradas no Krepp's Café durante a produção de uma série de salgados para venda (entrevista concedida em 07/08/2007).
JACIRA MARIA PACHER DE ANDRADE – 67 anos
Trabalhou durante 15 anos com salgadinhos, inclusive a empada frita. Aprendeu a receita num curso de arte culinária quando estudava no antigo Ginásio Industrial de Salto (atualmente Escola Leonor Fernandes da Silva). Passou também a receita à sua irmã Ila (entrevista concedida em 08/08/2007).
ALZIRA CRUZ FIGUEIREDO – 64 anos
Fez empadas fritas por mais de 20 anos, pois sua família era proprietária de um bar. A receita veio de família e suas encomendas eram de Salto e de outras cidades. Foi uma das mais conhecidas empadeiras de Salto e sua mãe era parente de Dona Nena Cazzamatta (entrevista concedida em 08/08/2007).
OTÍLIA ALVES AMARAL – 63 anos
Faz as empadas fritas há 15 anos sob encomenda, cuja receita aprendeu de sua mãe Eliza, que foi ajudante de D. Nena. Suas empadas são grandes, mas também faz as pequenas para festas (entrevista concedida em 09/08/2007).
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